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Reportagem

Epic Games briga com brasileiro por 'futebol de saco' no Fortnite

Nos últimos anos, a Epic Games se notabilizou por se insurgir contra Apple e Google. Acusou as gigantes de usufruir do enorme poder econômico que possuem para impedir o avanço de rivais. Conseguiu contra a gigante das buscas uma condenação por monopólio em lojas de aplicativo nos Estados Unidos. Agora a empresa será obrigada a permitir a instalação de programas no Android vindos de lojas concorrentes.

No Brasil, as posições se inverteram. Dona de um alguns dos maiores sucessos recentes do mundo dos games, a Epic Games move desde junho de 2024 uma batalha judicial contra um empreendedor brasileiro.

Tenta —e até conseguiu uma vitória— anular uma marca, registrada por ele há mais de 10 anos, e usada sem consentimento ou licenciamento em seu megahit, o jogo "Fortnite".

O que rolou?

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De um lado do ringue, está a Epic Games, avaliada em US$ 31,5 bilhões —o que faz dela uma das maiores companhias com capital fechado do mundo—, que atende 900 milhões de usuários, e dona de franquias como "Gears of War", o já citado "Fortnite" e da ferramenta de criação de games Unreal Engine. Do outro lado, está alguém com menos recursos:

  • O economista, empresário e pesquisador Marcos Juliano Ofenbock vive da renda de livros e da atuação como diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. Ele transformou algo artesanal em produto. De crochê e recheada com plástico reciclado, a bolinha inspirada no footbag norte-americano ganhou outro nome: "futsac", abreviação para "futebol de saco". Além de...
  • ... Criar uma cadeia de produção das bolinhas (chegou a ter mais de 160 crocheteiras no processo), ele trabalhou para a modalidade esportiva pegar, já que...
  • ... Entre 2010 e 2016, teve de competições regionais e estaduais a campeonato brasileiro do esporte. Surgiram, ao menos, três federações (SC, RS e PR), além de uma nacional. Nesse meio-tempo...
  • ... O futsac foi celebrado em eventos do Ministério do Esporte, da Prefeitura de Curitiba, alvo de reportagem da FIFA e reconhecido como esporte em leis na capital paranaense e no estado do Paraná. Não menos importante...
  • ... Foi abraçado pela boleiragem: fez parte dos treinos de times como Paraná e Athletico Paranaense. Enquanto a bolinha subia...
  • ... Ofenbock obteve, entre 2012 e 2015 e em 2020, o registro da marca "Futsac" para diversos usos, nas bolinhas, em roupas e com abrangência internacional. No mundo do direito intelectual, há quatro possibilidades de registro de marca. O empresário registrou duas delas, a marcas nominativa, que diz respeito a um termo específico, e a marcas mista, que mescla expressões e algum símbolo gráfico e geralmente é usada em logomarcas. Só que...
  • ... Em 2020, o empresário descobriu que a logomarca "futsac" era usada --com alguma adaptação, diga-se-- no Fortnite. O game permite a compra de aprimoramentos para os personagens, como dancinhas ou gesto específicos. São os emotes. Era um deles que levava a marca criada por Ofenbock.
Se você, por acaso, está usando minha marca e eu te aviso, você pode dizer que não sabia e para de usar. Não dá para criminalizar. Mas a troca de email mostra que eles estavam cientes e usaram [a marca] de forma deliberada
Marcos Juliano Ofenbock, empresário e pesquisador

Por que é importante?

(à esq.) Marca
(à esq.) Marca Imagem: Reprodução/Fortnite/INPI
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Assim que descobriu, o empresário entrou em contato com a Epic Games, mas não obteve resposta. No ano seguinte, enviou aos procuradores da empresa no Brasil uma notificação extrajudicial. Recebeu de volta uma contranotificação extrajudicial. Era assinada por advogados do Dannemann Siemsen, o escritório especializado em propriedade intelectual mais respeitado do Brasil, em operação desde 1990 e representante de gigantes, como a Apple.

Com a compra do estúdio gaúcho Aquiris, a Epic Games se instalou de fato no país em 2023. No início do ano seguinte, Ofenbock retomou as tratativas. Em resposta, a empresa norte-americana entrou com um processo judicial para anular as marcas "futsac". Incluiu entre os réus o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual).

A inicial pedia R$ 100 mil. Imagina! Eu sou um empreendedor pequenininho, não sou grande. A tentativa deles era me intimidar pra eu desistir da marca, passar licença, assinar confidencialidade. Eu imagino quantas vezes não fizeram isso
Marcos Juliano Ofenbock, empresário e pesquisador

A Epic Games optou não fazer comentários para essa coluna. Apenas enviou documentos relacionados à ação judicial. No processo, a empresa argumenta que "futsac" "guarda caráter absolutamente comum, genérico e descritivo" e é "impossível dissociar tal expressão da homônima modalidade esportiva". Diz ainda que o futsac remonta a uma modalidade criada na década de 1970. Outro ponto levantado é que o futsac reproduz dinâmicas do Footbag. Nos EUA, porém, o emote da discórdia é chamado de "sackin'".

A legislação brasileira de propriedade intelectual veta o registra de marcas que tenham características genéricas ou descrevam um esporte, do contrário qualquer um poderia ser dono das marcas "futebol", "basquete" ou "queimada" —me disseram que é esporte, juro. A tese da Epic Games colou, e a Justiça concedeu uma liminar para anular a marca.

Ofenbock passou a ser representado pelo escritório Zveiter e Barbosa, que lida com direito esportivo e tem entre seus sócios Terence e Leonardo Zveiter, cuja família tem histórico de cargos em tribunais e em casas legislativas brasileiras.

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Os advogados argumentaram que a anulação era ilegal, já que estava prescrito o período regulamentar para contestar uma marca —de cinco anos no Brasil. A vitória veio em abril de 2025, com a derrubada parcial da liminar —a suspensão da marca nominativa "futsac" foi mantida.

Não é bem assim, mas está quase lá

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Entre uma decisão e outra, o INPI se manifestou. Concordou com a tese da Epic Games, mas apenas para a marca nominativa. Como há caráter distintivo na marca mista, o mesmo raciocínio não valeria para a logomarca. Agora, o julgamento entra na fase da produção de provas.

Ofenbock diz já ter vendido mais de 100 mil bolinhas desde que começou a produção das "futsac" —algumas delas estamparam os símbolos de times populares brasileiros, o que exigiu o licenciamento das marcas de Flamengo, Cruzeiro e Palmeiras.

Enquanto a batalha judicial se desenrola, ele paralisou os investimentos e desmobilizou uma dezena de crocheteiras que ainda faziam as bolinhas. "Um investidor ficou com medo", diz ele.

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Eu fico triste, fico com medo de perder um trabalho de 20 anos
Marcos Juliano Ofenbock

A Epic Games, por sua vez, tem o que comemorar, ainda que em outras arenas.

Aqui no Brasil a empresa conta os dias para julho, para quando anuncia a volta do Fortnite aos iPhones. Com uma derrota judicial da Apple, a dona do iOS será obrigada a permitir no iPhone a instalação de aplicativos vindos de lojas concorrentes. A ação nasceu de um processo administrativo que corre no CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e averigua se a empresa exerce práticas anticompetitivas no iOS. A Apple decidiu levar a questão para a Justiça.

Nos EUA, a Epic também venceu a Apple. Em uma disputa que se arrasta desde 2020, a Justiça proibiu a empresa de continuar a barrar usuários de recorrer a outros meios de pagamento para itens adquiridos em suas plataformas. Nesta quinta (1º), nova vitória: a juíza Yvonne Gonzalez Rogers mandou a Apple pagar os honorários da equipe de doutores da rival.

Os advogados da Epic não vencem todas, no entanto. No ano passado, a empresa fechou um acordo para encerrar uma ação movida pelo dançarino Kyle Hanagami. O coreógrafo de Britney Spears, Justin Bieber e Jennifer Lopez processou a produtora por copiar seus passos de dança e colocá-los no emote "It's complicated".

Hanagami não foi o primeiro a acionar a Epic por danças supostamente roubadas. Alfonso Ribeiro, o Carlton Banks de "Um maluco no pedaço", foi um dos que tentou.

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Hanagami foi o primeiro a conseguir, mas o valor do acerto não foi revelado. Ele pode não ser o único, já que a coluna apurou que Ofenbock não descarta processar a Epic Games

DEU TILT

Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo às 15h.

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