Google Chrome não está à venda, mas já tem quem queira comprar

Diante do enorme hype da inteligência artificial, um desavisado tem a impressão que outros serviços conectados perderam o valor e já não interessam a ninguém. Melhor pensar duas vezes. Durante a semana passada e por mais alguns dias pela frente, a tecnologia mais sexy do mercado será algo inventado no século passado. É um navegador. Mesmo que o Google não tenha colocado o Chrome à venda, o navegador vem recebendo propostas públicas de compra.

O que rolou?

Após ser considerado um monopólio das buscas online, o Google enfrenta a segunda fase do julgamento em que o juiz Amit Mehta decidirá as punições para remediar o poder da empresa sobre a concorrência:

  • O DoJ (Departamento de Justiça), algoz do Google, reforçou junto ao tribunal seu pacotão do desmonte: venda do Chrome; fim dos pagamentos bilionários para a busca do Google ser o padrão de smartphones e liberação da pesquisa online para rivais. Enquanto isso...
  • ... O Google defende que bastaria impor limites aos acordos com empresas como Apple, Samsung e Mozilla, o que, aliás, foi peça-chave na condenação. Só que...
  • ... O DoJ sobe o tom e propõe até, caso as medidas acima não derem certo, forçar a venda do Android e impedir o Google de usar a busca como trampolim para emplacar suas iniciativas de inteligência artificial.

Por que é importante?

Destinada a ouvir concorrentes, que explicitam como a dominância do Google os impede de fechar negócio e sugerem medidas para tornar o mercado mais aberto, essa segunda etapa entra agora na segunda semana -serão três. Já de olho no veredicto do juiz Mehta, algumas companhias transformaram a corte num leilão:

  • Perplexity: dona do buscador online que usa IA para devolver os resultados da pesquisa em forma de página na internet, a startup se colocou entre os possíveis destinos do Chrome. Quando um advogado do DoJ perguntou a Dmitry Shevelenko, diretor de negócios da Perplexity, se outra empresa além do Google daria conta de um navegador tão robusto, a resposta veio na lata: "Eu acho que nós poderíamos". Talvez caiba aqui um desconto à ousadia dos iniciantes, já que a startup, com três anos de vida, entrou também na fila para comprar o TikTok.
  • Yahoo: rival do Google deixada para trás há mais de uma década, a empresa entrou na disputa por motivos estratégicos. Brian Provost, gerente-geral do Yahoo, contou haver em desenvolvimento o protótipo de navegador e até conversas em curso para comprar um browser. O Chrome cairia como uma luva nos planos do Yahoo de retomar a relevância perdida, já que, segundo cálculos internos, 60% das buscas online nascem de navegadores.
  • OpenAI: dona do ChatGPT, a empresa fez a proposta de compra durante o testemunho de Nick Turley, diretor de produto. A OpenAI entrou no julgamento para endossar --ou mesmo formular-- a acusação do DoJ de que o Google usa a busca para limitar a competição na IA. Turley contou que procurou o Google para ser o fornecedor da busca online do ChatGPT, porque a OpenAI não estava feliz com o Bing, da Microsoft. Proposto em julho de 2024, o negócio foi declinado um mês depois. Agora, a empresa de Sam Altman está de olho na possibilidade de o Google ser obrigado a compartilhar os resultados de seu motor de busca com concorrentes.

Não é bem assim, mas tá quase lá

O interesse de gigantes, ex-gigantes e iniciantes nos espólios de uma Big Tech que pode nem vir a ser retalhada é um sintoma do mercado se acomodando e transformando em oportunidade o que, para outros, é crise. Mas esconde um cálculo menos imediato. Quebrar uma empresa é solução para lá de drástica, ainda mais se o alvo for um ícone da economia norte-americana. Caso do Google. O posto já foi ocupado por Standard Oil e Bell System, ambos divididos após infringirem leis antitruste, e da Microsoft, que, condenada, ficou como estava.

O DoJ não esconde que o remédio amargo —para o Google, mais amargo que a doença— tem função dupla: restituir alguma competição ao mundo das buscas online e impedir que a empresa use seu poderio para dominar a IA, uma batalha aberta, atual, com concorrentes poderosos e vindos de forao plano da China é liderar a corrida até o fim da década.

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Nas mãos do juiz Mehta estão não só o destino do império de US$ 1,8 trilhão, mas também a decisão de quão longe os EUA estão dispostos a ir para fazer valer suas leis sem comprometer demais seus principais combatentes na guerra de longo prazo pela hegemonia mundial.

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Imagem: ARTE/UOL

O Brasil que espera regular a IA... Enquanto o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não instala a comissão especial que vai analisar o PL da IA, as atenções se voltam para a composição do grupo. Confirmados mesmo só Luisa Canziani (PSD-PR) na presidência e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) na relatoria. O PT, que corria por fora para emplacar alguém em um desses postos, já afinou o discurso sobre os pontos que vai atacar. Segundo documento interno da área técnica a que a coluna teve acesso, há lacunas no texto como não tratar plataformas digitais como sistemas de IA com alto risco, não apresentar proteção para crianças e adolescentes e não fazer exigências específicas para a IA generativa. Entre os retrocessos, está a liberação de demissões feitas por IA sem passar por revisão humana.

O Brasil que regula a IA... O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta semana o primeiro tipo penal que menciona o uso de inteligência artificial. A partir de agora, o crime de violência psicológica contra mulher praticado com uso da IA ou qualquer outro recurso tecnológico para alterar imagem ou som da vítima terá a pena aumentada, que poderá ir de nove meses a três anos de prisão. A autora do projeto é a deputada Jandira Feghali (PCdoB-SP).

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Alívio momentâneo... O ministro André Mendonça votou a favor do Google. Ele acompanhou Rosa Weber, relatora da ação e já aposentada. Com isso, ele empatou o julgamento em que o STF decide se são constitucionais as quebras massivas do sigilo das buscas online de usuários. Opuseram-se Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin. Gilmar Mendes pediu vista —além do dele, faltam os votos de cinco magistrados. O caso nasceu na investigação dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes.

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Momento de expectativa... Estão prontos os dois anteprojetos de lei gestados no governo Lula para regular a atividade das big techs no Brasil. Um deles, vindo do Ministério da Justiça, pretende dar mais poderes ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para atuar antes —e não só depois— das empresas agirem. A regra valerá só para aquelas com poder sistêmico. É um abrasileiramento de leis antitruste de Reino Unido e União Europeia. O outro, articulado pela Secretaria de Comunicação, obrigará as plataformas digitais a adotar uma postura proativa diante de infrações já previstas no Código de Defesa do Consumidor e outras leis, em vez de reagirem apenas após ordens judiciais para remover conteúdo.

Cuidado infantil... Aprovado ano passado no Senado, o ECA Digital, apelido do PL 2628/2022, começou a caminhar na Câmara. Por lá, a Comissão de Comunicação convocou audiências públicas para discuti-lo. O texto atrai a simpatia de opositores e governistas, mas alguns de seus pontos preocupam as big techs. Para o YouTube, do Google, os vídeos para crianças estão com os dias contados se alguns dos dispositivos do projeto vingarem, como a proibição de redes sociais veicularem conteúdo que atraia crianças e ou a obrigação para checarem documentos e evitar que crianças finjam ser adultos. Para o YouTube, sua plataforma não é uma rede social e, sim, um streaming de vídeos. Dona de Instagram, Facebook e Threads, a Meta foi convocada para as audiências.

Cuidado infantil [2]... A Meta deu à IA uma nova missão: achar menores de idade que se passam por adultos e driblam o esforço da empresa de emplacar as Contas de Adolescente. Por ora, a iniciativa é um teste, vale só para os EUA e, segundo informou a companhia à coluna, não tem previsão de chegar ao Brasil. Por aqui, o que está acontecendo é os pais serem avisados das possibilidades do novo formato de conta. Inaugurada no Instagram, mas expandida para Facebook e Messenger, a nova modalidade faz perfis para a faixa 13-17 anos serem trancados, terem um toque de recolher e limitam as DMs aos contatos. Até agora, diz a Meta, 54 milhões de pessoas já usam a Conta de Adolescente.

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Um olho no criador, outro na Netflix... O YouTube vai mudar seu app nas TVs conectadas. A plataforma de vídeo historicamente associada ao acesso via computadores e, mais recentemente, aos smartphones vem experimentando uma explosão de uso nas telas que dominam a sala de estar. O design do serviço para a TV, porém, estava aquém do de rivais do streaming, como a Netflix, e escondia funções importantes para os criadores de vídeo, como botão de curtir e inscrição no canal.

O que a gente quer fazer é voltar a melhorar a página assim onde você assiste tudo, para ser mais moderno. Vários criadores pediram que a gente prestasse mais atenção à capacidade de atingir mais inscrições na televisão. Eram poucos os usuários que sabiam onde apertar para se inscrever em um canal na televisão"
Christian Oestlien, vice-presidente de produto do YouTube

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No Chile, foi tremendamente valiosa a decisão da Suprema Corte do Brasil de exigir de que uma grande companhia tecnológica como o X, ex-Twitter, respeitasse as leis
Gabriel Boric, presidente do Chile

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Imagem: Reprodução/Youtube
Nós [Instagram] éramos uma ameaça para o crescimento dele [Facebook]
Kevin Systrom, fundador do Instagram
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Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.

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