Lula volta da China com reforço para cooperação estratégica em IA

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A visita de Lula à China rendeu um estreitamento na cooperação em Inteligência Artificial entre os dois países.
Em meio a tantos acordos anunciados entre ontem e hoje, quero destacar um que não foi tão comentado, mas que tem um peso estratégico significativo. Trata-se do Memorando de Entendimento sobre o Reforço da Cooperação em Inteligência Artificial, firmado entre o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China, com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento da IA nos dois países.
Este tipo de documento não é um contrato com obrigações legais, mas serve para que as partes expressem suas intenções de colaboração. Assim sendo, destaco a seguir os pontos - ou as intenções - que considerei mais relevantes, acompanhados de alguns comentários meus.
"Reforço das bases para o avanço da IA: As Partes concordam em cooperar na infraestrutura de IA, construir juntamente conjuntos de dados de alta qualidade e estabelecer a base para o desenvolvimento da IA."
A cooperação a partir do Sul Global é tema que vem sendo debatido há bastante tempo como uma estratégia para reduzir a dependência de diferentes nações em relação aos EUA. Entendam que isso não significa excluir a maior economia da cena de inovação - o que seria impossível -, mas pensar em possibilidades e alternativas.
Preciso lembrar que a China está muito bem posicionada em IA. O plano deles é chegar em 2030 na liderança, e o país vem fazendo muito bem o dever de casa para chegar no seu objetivo. Já lideram a produção científica na área e a quantidade de patentes em IA.
Embora a China ainda esteja atrás dos EUA na produção de semicondutores, o país asiático tem um parque de processamento infinitamente maior do que o Brasil e vem avançando na manufatura de chips e em litografia.
No médio e longo prazo, há quase um consenso entre os pesquisadores e analistas que a China deve empatar o jogo. Então é estratégico para o Brasil pensar em cooperação com países que possam suprir insumos de chips e semicondutores, especialmente depois da mensagem clara que os EUA passaram com os controles de exportação de chips.
"Fortalecimento da cooperação tecnológica em IA: Realizar esforços conjuntos no treinamento de grandes modelos de linguagem e multimodais, e incentivar intercâmbios técnicos e cooperação na formação de talentos entre universidades, instituições de pesquisa e empresas de ambos os países, promovendo o estabelecimento de um laboratório conjunto de IA para fortalecer as capacidades de pesquisa e inovação no setor."
Este é um movimento importante, mas senti falta de uma menção direta e clara ao desenvolvimento de modelos abertos. Defendo sempre que esse tipo de modelo é o que deve ajudar a reduzir a concentração do desenvolvimento da IA em poucas mãos e impulsionar a inovação no Sul Global, inclusive em outros países.
"Potencialização por meio de aplicações de IA: As Partes concordam em cooperar na aplicação da IA, intensificar a troca de experiências em aplicações e plataformas de IA, promover os benefícios da tecnologia para os povos de ambos os países e elevar os níveis de inteligência."
Não basta apenas focar na pesquisa e desenvolvimento da IA. Falei isso nas reuniões que participei com o MCTI para dar sugestões para a construção do Plano Brasileiro de IA (PBIA). Precisamos promover a adoção nos diferentes setores para que o Brasil se prepare para essa nova economia.
Recentemente, eu li um livro muito bom chamado"Technology and the Rise of Great Powers". Ele sintetiza muito bem a posição de que a difusão tecnológica é crucial para que uma nação mantenha ou alcance a liderança econômica global. Neste sentido, a cooperação é estratégica porque a China é um dos países que consegue implementar mais rapidamente IA em diferentes setores da economia. A troca de know-how é fundamental.
O documento ainda traz outras ações importantes, como o enfrentamento conjunto dos riscos de segurança da IA e a capacitação das pessoas para o uso da tecnologia. Só estranhei a ausência da participação ou menção ao MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação) em alguns pontos. O ministério vem conduzindo muitas pautas sobre IA.
O Memorando de Entendimento terá validade de três anos, com previsão de prorrogação por mais três. Seis anos é janela de tempo que muitos colocam com o prazo para a China diminuir qualquer lacuna em relação aos EUA. Faz sentido, então, que o Brasil comece a cooperar agora com a China para que tenha mais alternativas em uma área que estamos tão atrás.
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