IA vai matar a busca e a publicidade na internet? Mudança será radical

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A IA está reconfigurando os mecanismos de pesquisa, produção e interação com conteúdos online. Embora essa mudança proporcione, na maioria das vezes, uma melhor experiência de uso, ela não vem sem consequências. A mais provável - e perigosa - que vejo é o aumento da concentração de poder do mercado digital em poucas mãos.
Alguém pode perguntar: o Google já domina mais de 90% das buscas, como essa situação pode piorar? A chegada dos chats bots não devem trazer alternativas para romper com esse monopólio?
A resposta não é tão óbvia assim.
A chegada de novos serviços de buscas, como Perplexity ou a busca do ChatGPT, de fato, abre mais alternativas para os usuários finais, o que é uma coisa boa. No entanto, quando analisamos a natureza de funcionamento dessas plataformas, percebemos que suas entranhas impulsionam a concentração de uma nova maneira.
Quando você faz uma pesquisa no Google, o buscador retorna links que dão acesso a conteúdos originais. Quando você clica em um deles, o site recebe o tráfego e tem ganhos direitos - como a venda de anúncios - e indiretos - os autores ficam conhecidos, por exemplo.
Porém, quando uma pesquisa acontece nesses mecanismos de busca com IA, é um bot que acessa o site, mastiga o conteúdo e entrega uma resposta pronta para o usuário final. Embora a IA possa até apontar a fonte, a qualidade dessas respostas prontas geralmente é boa o suficiente para que os usuários fiquem satisfeitos e não precisem consultar o conteúdo original.
Sem click, sem tráfego e sem venda de anúncios, os sites têm seus conteúdos usados sem contrapartidas. Ou seja, a IA vira um agregador de informação que concentra o tráfego dos usuários com base na produção de terceiros. Inclusive, os próprios criadores de conteúdos estão reagindo e criando maneiras para bloquear esse uso, conforme escrevi em outra coluna.
O fato é que esse modelo não é sustentável economicamente. Qual será a motivação de continuar produzindo conteúdo se o retorno só diminui? Precisamos discutir modelos alternativos de remuneração para que os fundamentos da economia digital, muitos deles baseados em anúncios, não sejam implodidos.
E o curioso é que começamos a encontrar evidências de que o próprio processo de publicidade também passará por uma ruptura.
Na semana passada, Mark Zuckerberg deu um panorama da sua visão para o futuro do mercado digital. Em entrevista ao podcast Stratechery, ele fez uma previsão de que em breve as empresas poderão procurar diretamente a Meta para criar imagens e vídeos para anúncios.
Com o uso da IA embutida em seu mecanismo de publicidade digital, a Meta poderá eliminar a necessidade de agências de publicidade em muitos casos. Zuckerberg argumentou que se a empresa é ótima para fazer o processo de segmentação e entrega de anúncios, ela pode atuar com muita eficiência no processo criativo.
O que estamos vendo é o nascimento de um novo ciclo de concentração, com a IA como catalisador. A tecnologia passa a permitir que poucas empresas dominem toda a cadeia de valor: da criação de conteúdo à sua entrega, passando, inclusive, pela criação de novos serviços.
Quando a Internet começou a se popularizar, o sentimento era de otimismo. Falávamos de como a rede digital fortaleceria a democracia e impulsionaria a economia compartilhada em que o valor seria distribuído para todos.
De certa forma, isso foi uma verdade. A Internet - ou melhor, a Web - permitiu a criação de novas formas de participação social e impulsionou novos modelos de negócios na cauda longa. No entanto, talvez tenhamos sido otimistas demais. A falta de uma articulação crítica mais robusta na época impediu que antecipássemos muitas das consequências indesejadas que hoje enfrentamos.
O ambiente distribuído e aberto dos blogs e fóruns foi, aos poucos, engolido pelas grandes plataformas. Elas conseguiram criar espaços com uma experiência de uso tão boa que fez com que migrássemos para lá. O que antes era um espaço livre de troca se tornou um jardim murado, onde as big techs exercem controle rigoroso sobre o fluxo de informação.
Não podemos repetir o erro de romantizar a IA, como fizemos nos primeiros anos da Internet. Eu não tenho dúvidas de que a tecnologia vai trazer muitas coisas boas, mas é essencial reconhecer e antecipar as externalidades negativas - e a concentração de poder é uma das mais preocupantes.
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