Luciana Bugni

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Opinião

Filme sobre Ney Matogrosso leva a questionar o que queríamos aos 17 anos

"Poema", os versos de Cazuza, foram escritos quando o cantor tinha 17 anos. A letra era uma homenagem para a avó, que guardou a folha de caderno a vida toda. A mãe de Cazuza entregou o papel para Frejat musicar muito tempo depois. E, juntos, decidiram que ficaria lindo na voz de Ney Matogrosso.

Ney só gravou a canção sobre o medo de pesadelos e quem a gente procura no escuro em 1999. Aí, quem tinha 17 anos era eu —foi quando minha geração se apaixonou de vez pelo cantor.

Uns 40 anos antes, era então Ney quem tinha 17 anos, ficou farto das brigas com o pai e saiu de casa, em Campo Grande. Foi ao Rio, serviu ao exército. Esteve em Brasília e São Paulo também —de cantar em coral a fazer bijuterias e vender, fez de tudo.

Muita gente tentou desencorajá-lo a ser quem ele era: artista, sexualmente livre. Mas ele bancou. Fez o que precisava para viver sua verdade, como fica claro no filme "Homem com H", de Esmir Filho, que estreou nessa quinta (1º) nos cinemas.

Ali, estão escancaradas as relações de Ney com seu corpo, com sua arte, com o sexo, com a liberdade —e o jeito que ele achou de não romper com seus próprios propósitos desde que saiu com aquela mochila do Centro-Oeste rumo ao futuro que o Brasil inteiro ia conhecer.

Da esq. para dir., Jullio Reis (Cazuza), Jesuíta Barbosa (Ney Matogrosso) e Bruno Montaleone (Marco de Maria) em cena de 'Homem com H'
Da esq. para dir., Jullio Reis (Cazuza), Jesuíta Barbosa (Ney Matogrosso) e Bruno Montaleone (Marco de Maria) em cena de 'Homem com H' Imagem: Divulgação/Paris Filmes

A criança reprimida, no entanto, ficou forte. Seguiu o caminho (talvez por isso mesmo) e, enfim, perdoou. A redenção é o ponto-chave, aliás, de uma existência sem amarras. "Esse sentimento escraviza, prende você em um momento da vida", disse Ney, em entrevista ao jornal O Globo.

Quando a gente tem 17 anos, acha que tudo é definitivo e realmente se prende em mágoas. Do escuro, vendo o infinito, sem presente, passado ou futuro. Mas, ensina o repertório do cantor, "não vou saciar a sede do futuro da fonte do passado". O mesmo que jurou mentiras e seguiu sozinho. Aquele que não sabia dizer nada por dizer, então escutava. Tem um verso cantado por Ney para cada eu. Para cada nós.

Aos poucos, durante o filme de Esmir, hipnotizada pelo rosto e olhar de Jesuíta, vou ordenando as coisas mornas e ingênuas que foram ficando no meu caminho desde aquele 1999. Muito leve, leve pousa. Simples e suave.

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Quando acabou o filme e a luz acendeu no cinema, olhei para a repórter de Splash, Fernanda Talarico, que chorava. "Não estou triste, só fiquei emocionada porque é bonito", ela disse, segundos antes de o próprio Ney entrar na sala para a entrevista coletiva e ser aplaudido por todo o cinema. Vivo, como o nome de seu primeiro show, que assisti aos 17 anos.

A vida, a arte. Suave coisa nenhuma. Mas mesmo assim iluminada bela beleza do que aconteceu há minutos atrás.

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