Luciana Bugni

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Opinião

Por que criador de conteúdo na internet quer tanto derrubar Renato Aragão?

Vira e mexe aparece um novo vídeo de alguém na internet detonando Renato Aragão. O ator, comediante, empresário e muitas outras coisas mais, conhecido (e adorado há décadas pelo público brasileiro) como Didi, tem 90 anos. E mesmo assim (a gente respeitava as pessoas de idade antes da internet, né?), há uma onda na internet de difamação sem evidências contra ele, como no comportamento de manada — aquele em que todo mundo tem raiva sem nem saber muito bem a razão.

A explicação é simples: dá audiência falar mal dos outros, e o que mais se quer ver por aí é sangue (metafórico e às vezes literal também). Podcasts e canais de influencers no YouTube vivem disso há tempos. Mas por que falar de um homem que sempre foi tão querido? Por que alguém chega perto do fim da carreira com essa sensação de tristeza que ele relata na entrevista que deu à Folha essa semana?

"De uns anos para cá está ficando difícil, sabe? Porque não só eu, mas a minha família tem sofrido uma campanha orquestrada de difamação, que tem método, usa mentira e desinformação como armas, é mal intencionada. O que começou com 'ele não gosta de ser chamado de Didi', agora mira nos meus filhos, sabe? E aí passamos a sofrer cada vez mais", diz.

Renato vai se manter calado, como sempre ficou em relação à vida privada, sobre os boatos e fatos envolvendo sua filha Juliana. Não vai sair nada daí. Mas precisa mesmo crucificar o cara que tem mais de meio século de TV sem saber direito o que rolou?

Talvez seja uma sensação de injustiça do público acerca do que eram Os Trapalhões. O quarteto de sucesso virou um grupo menor com a morte de dois humoristas: Mussum e Zacarias. O próprio Didi perdeu um pouco do ânimo depois de perder os colegas e passou a focar em especiais na TV, mais esporádicos.

As famílias de Mussum e Zacarias tiveram dificuldade de lidar com as finanças e foram à mídia anos depois reclamar de falta de dinheiro. O público se compadeceu e precisava culpar alguém. Muita gente também caiu no conto de uma suposta briga entre Dedé Santana e Didi — desmentida por ambos várias vezes em diversas aparições públicas. Eles são parceiros há quase 70 anos!

Renato Aragão empreendedor

O ator costuma dizer que nasceu no Ceará, em 13 de janeiro de mil novecentos e antigamente. A data correta é 1935, na cidade de Sobral. Ainda na juventude, trabalhou em um banco e foi oficial do Exército (segundo-tenente) de infantaria formado pelo CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), em 1955. Algumas das cenas de sátiras militares de Os Trapalhões foram inspiradas nesse período.

Logo, emendou seus estudos na Faculdade de Direito, onde se formou advogado, carreira em que planejava atuar, em 1961. Mas dentro de casa o que não faltavam eram referências artísticas. "Meu pai era múltiplo", diz o artista sobre Paulo Aragão, escritor, diretor de colégio, bancário, contista e poeta. Para o filho, um ídolo.

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Na adolescência, ele assistiu dois filmes de Oscarito ("Aviso aos Navegantes" e "Carnaval de Fogo") mais de uma dezena de vezes e
ficou encantado com o jeito de atuar do ator de comédia. Ali, começava o sonho de fazer a mesma coisa como ofício. Desde então, ele atuou em 50 filmes -- já contracenou até com o Rei Pelé e ganhou diversos prêmios de cinema no exterior.

Ainda nos anos 60, fez um curso para trabalhar como produtor, diretor e realizador da TV Ceará. Ali veio o apelido do personagem que andou com o ator durante toda sua vida: tinha que ser um nome divertido como Oscarito e surgiu então Didi — um nordestino desastrado. Nome pelo qual ele pede para ser chamado até hoje, digam o boato que disserem.

Os humorísticos que fez na TV nordestina fizeram sucesso, e logo foi convidado para trabalhar na TV Tupi, em 1964. Quando chegou ao Rio para fazer uma esquete em um programa de auditório, o apresentador quis saber o sobrenome do personagem. 'Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgina Mufumbo!', foi a resposta imediata, que arrancou risos da plateia. Ficou Didi Mocó.

Fora a sabida reputação televisiva no humor, Didi tem o lado forte de pegar o público pela emoção e pela religião. Todo mundo lembra da imagem icônica desse homem, beirando os 60 anos, ao escalar o braço do Cristo Redentor ao vivo na TV para beijar sua mão. Será que os jovens que consomem conteúdo no YouTube estão cientes também dos grandes feitos ou isso não rende clique?

Em 1999, outra ousadia que simboliza sua fé: aos 64 anos, ele foi a pé de São Paulo a Aparecida do Norte para pagar uma promessa. A ação passou no Criança Esperança daquele ano.

Empreendedor, também conseguiu controlar bem sua produtora, soltando um filme atrás do outro e educando uma geração de brasileiros a ver grandes sucessos nacionais no cinema. Artista, sim. Mas chefe também. E isso traz renda. Natural que o público dê aquela cismada: como podem as famílias de Mussum e Zacarias estarem tão mal se tem alguém que financeiramente sempre esteve muito bem? Acontece e é da ordem do capitalismo. Enriquecer (nem sempre) é sinônimo de desonra nesse sistema.

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Eu sei, eu sei. Ninguém vai ler um textão desse tamanho e é mais fácil ver corte de vídeo tendencioso no YouTube. Mas a história, aquela com H maiúsculo, deveria ser justa. Viralizar ou não nem entra nessa conta.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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