'Tarifaço' de Trump: montadoras temem invasão de carros mexicanos no Brasil

Ler resumo da notícia
A indústria automotiva brasileira está em alerta. Embora o Brasil tenha escapado das tarifas mais pesadas impostas pelo governo dos Estados Unidos sobre veículos importados, o impacto indireto dessas medidas pode ser devastador para o setor nacional. A principal preocupação da Anfavea, associação que representa as montadoras no país, é clara: o México pode se transformar em um super-rival, absorvendo investimentos que antes teriam como destino o Brasil.
"É um assunto que tem dominado a agenda do nosso setor", afirmou Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea, em apresentação recente. "É comum a gente ver a seguinte expressão: 'O Brasil não sofrerá impacto'. Sim, é verdade que o Brasil teve a menor tarifa imposta pelos Estados Unidos, o governo trabalhou bem. Mas o mercado será impactado por outros fatores. Exemplo: o México."
A engrenagem por trás do impacto
O ponto central da preocupação é a reconfiguração da cadeia produtiva das montadoras globais. Com as novas tarifas de 25% impostas por Donald Trump a veículos importados, principalmente do México — que atualmente exporta 3,2 milhões de unidades por ano para os EUA, o equivalente a 76% de sua produção total — as fábricas mexicanas devem perder mercado no território norte-americano. E o que fazer com essa capacidade ociosa?
"O México possui hoje 37 plantas industriais para produção de veículos e mais de mil fábricas de autopeças. No momento que essa produção for reduzida pelas tarifas, haverá uma busca por novos mercados", explicou Leite. "E o Brasil entra nesse radar porque tem acordo de livre comércio com o México, e porque o custo de produção lá é menor do que aqui."
Segundo o presidente da Anfavea, o risco é que as multinacionais passem a abastecer o mercado brasileiro com carros feitos no México, em vez de manter ou expandir a produção local. "Nós estamos falando das mesmas empresas. A empresa que tem fábrica nos Estados Unidos, no México e no Brasil. Se ela tiver que investir, vai colocar o dinheiro onde já existe capacidade ociosa. E isso é no México", enfatizou.
Investimento: o cobertor curto da indústria
O movimento tem efeitos profundos sobre os planos de investimento da indústria no Brasil. "Em outras palavras: o bolso é um só. Se a empresa tem que investir mais nos Estados Unidos, devido à política americana, ela vai tirar de outro lugar. E o mais provável é que esse lugar seja o Brasil", disse Leite. "O executivo brasileiro vai ter que convencer a matriz: 'Por que investir no Brasil se há capacidade ociosa no México?'"
A associação aponta que, no curto prazo, os Estados Unidos devem ter uma retração de cerca de 1 milhão de veículos no seu mercado interno, caindo de 15,9 para 14,9 milhões de unidades por ano. A razão? O aumento no preço dos carros, com alta estimada entre US$ 3.000 e US$ 12 mil por unidade.
"O impacto tarifário eleva o custo dos componentes e dos veículos, e isso reduz a demanda", explica Leite. "Além disso, haverá atraso na transição para veículos eletrificados. Sem estímulos fiscais e com aumento de preços, o consumidor americano não vai conseguir bancar essa tecnologia."
E o Brasil no meio disso tudo?
Mesmo sem ter grande participação nas exportações para os EUA, o Brasil pode sentir o baque. "O impacto é indireto, mas é real. Muitos investimentos que seriam realizados no Brasil e na Argentina deixarão de ser feitos para utilizar a capacidade ociosa que vai se formar no México", afirmou Leite.
Mais do que perder competitividade, o país pode perder empregos. "Quando a produção migra, vai junto a geração de emprego, a renda, a arrecadação de impostos. É um ciclo que afeta toda a economia", alerta o presidente da Anfavea.
E os números são expressivos. Enquanto o México destina 76% de sua produção para os EUA, o Canadá envia 69% e a Coreia do Sul, 38%. Mesmo a Alemanha, com uma participação mais modesta, exporta 10% de sua produção para o mercado norte-americano.
"Agora pense: todos esses países vão procurar onde realocar sua produção. E nós estamos entre os candidatos a absorver esses excedentes — o que pode sufocar ainda mais nossa indústria local", disse Leite.
Hora de reagir
Frente a esse cenário, a Anfavea já discute com o governo e com as montadoras alternativas para proteger o mercado interno. Uma das possibilidades seria estabelecer cotas para importações mexicanas. "É preciso ter um debate sério sobre isso. Do contrário, o Brasil pode virar apenas um consumidor de carros produzidos fora", adverte Leite.
Apesar do tom de preocupação, a Anfavea vê oportunidades. "O Brasil tem que se valer desse momento para ampliar suas exportações. Temos um parque produtivo forte, tecnologia, e estamos em uma posição estratégica na América Latina. Mas precisamos de um ambiente de negócios estável e de segurança jurídica para atrair investimentos."
A ameaça vinda do México é só uma peça de um xadrez geopolítico que está em constante transformação. Para o Brasil, o jogo exige estratégia — e rapidez.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.