Pesquisadores já apontam impactos da COP30 para Belém

Belém recebe dezenas de obras para sediar a COP30 que complicam o dia a dia da cidade, mas prometem transformar a capital paraense. O projeto de pesquisa "COP 30 das oportunidades de transformações urbanas aos desafios para a participação e o controle social", coordenado pela professora Olga Lucia Castreghini de Freitas, professora visitante do programa de pós-graduação em Geografia da UFPA (Universidade Federal do Pará), visa fazer uma análise crítica dos impactos do megaevento para Belém.

A expetativa era que por ser um encontro "não comercial", que vai discutir a emergência climática e sediado na Amazônia, a organização seria "diferente e inovadora". Mas os preparativos da COP30 repetem os erros do passado e frustram expectivas.

Muitas obras, principalmente de saneamento, eram necessárias, estavam na gaveta há anos e só agora foram viabilizadas com os recursos disponibilizados, principalmente pelo BNDES e Itaipu Binacional, para a organização da COP.

"Belém é uma cidade que tem uma carência estrutural e histórica de obras, de saneamento, em especial. A COP tem potencializado o surgimento de investimentos e de recursos para uma série de obras de macrodrenagem, por exemplo. Isto é um ponto positivo".

A restauração de pontos turísticos de Belém, como o Mercado Ver-o-Peso, também é apontada como um ponto positivo da realização do evento pela professora Olga Castreghini de Freitas.

Mas em nome da urgência para terminar tudo a tempo para a COP30, que será realizada de 10 a 21 de novembro, as obras são feitas a toque de caixa e alguns processos desejáveis, como a transparência e a sustentabilidade, são atropelados, critica a geógrafa.

"O mais problemático, que a gente observa, é que as formas de controle social e de participação são inexistentes". Ela cita por exemplo as remoções para a realização de obras da COP.

Remoções

"Embora as áreas de remoção para as obras da COP sejam pontuais, elas impactam pessoas", salienta.

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A reportagem da RFI foi até a obra do Parque Linear da Tamandaré, no bairro Cidade Velha. No local, onde há um canal e será construído um terminal hidroviário, espaço turístico e área de lazer, vários moradores já foram removidos e as casas, destruídas.

A RFI encontrou a moradora Oscarita. Ela estava "gostando" e achando o projeto "bonito", até ser notificada para deixar a casa onde mora há décadas.

"Eu perguntei: mas porque mexer com a minha casa se eu não moro na beira do canal? Ela me disse que vão fazer uma estação (de esgoto) aqui", conta mostrando a casa de madeira branca e dois andares onde mora. "É uma casa simples, mas isso aqui para mim é um paraíso", garante.

Dona Oscarita diz que está "resistindo mentalmente" e que vai bater o pé, também por não concordar com o preço proposto, feito sem nenhuma avaliação ou vistoria da casa dela, informa. "Nem entraram na minha casa. O valor era R$ 80 mil, agora passou para R$ 96 mil. Esse valor eu não quero, porque esse valor aí não dá nem para comprar uma sepultura. Eu ainda não vou morrer!", sentencia, rindo.

Sustentabilidade

Belém é uma cidade com alta informalidade na economia e um elemento simbólico importante envolvendo a organização é que muitos moradores veem o evento como uma oportunidade financeira para mudar suas vidas. Jonathan Nunes, estudante de pós-graduação em Geoturismo da UFPA, acredita que muitas pessoas "nem sabem o que é a COP e encaram o evento como uma festa" de oportunidades. Os preços exorbitantes cobrados por hospedagem em algumas plataformas seria um bom indicador disso.

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Outra questão problemática é a realização de obras pouco sustentáveis. Duas grandes vias, a avenida Liberdade e a rua da Marinha estão sendo construídas ou ampliadas para solucionar problemas crônicos de mobilidade na região metropolitana, mas elas avançam sobre áreas verdes protegidas.

"São obras viárias baseadas no ideal do rodoviarismo, incrementando aquilo que a própria COP discute como potencializar das mudanças climáticas", contextualiza. A coordenadora lembra ainda a polêmica, das "eco árvores", que são estruturas artificiais criadas para fazer sombra.

"Isso é o tipo de coisa que, na minha opinião e na opinião do nosso grupo de pesquisa, conflitam com os próprios interesses e com a própria noção de sustentabilidade que está envolvida nos processos ligados à discussão da COP", completa.

Legado

Para debater todas essas questões, o grupo de pesquisa e a UFPA organizaram, no final de abril, o seminário "Tinha uma COP no meio do caminho; nunca esqueceremos desse momento", com a participação de pesquisadores e representantes da sociedade civil.

A analogia com o poema do Carlos Drummond de Andrade "No Meio do Caminho", foi feita por conta da "ideia de legado" que ele contém. "A ideia do 'nunca nos esqueceremos é uma coisa que remete ao legado, uma fórmula discursiva muito recorrente, característica dos megaeventos. Em nome do legado, tudo se faz", ressalta.

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No entanto, segundo Olga Castreghini, o legado não existe de forma "apriorística" e só em alguns anos será possível avaliar a permanência e pertinência das obras.

Por isso, a COP foi colocada no meio do nosso caminho, para o bem e para o mal. Eu acho que tem oportunidades e tem muitos desafios em relação a isso. Por isso que a gente fez esse, né? Essa reflexão sobre o meio do caminho

Apesar de tudo, e ao contrário do que defendeu Ailton Krenak em recente entrevista à RFI, professora Olga Lucia Castreghini de Freitas é favorável à realização da COP 30 em Belém.

A maioria dos participantes da Conferência do Clima nunca esteve na Amazônia. Para a pesquisadora, "estar em Belém será uma oportunidade de entender o modo de vida das pessoas. Vai ser importante para tomar um choque de realidade do que é a Amazônia brasileira e não olhar só de fora, sem se envolver nesse bioma, que é fantástico".

Resumindo, "a COP foi colocada no meio do nosso caminho para o bem e para o mal".

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