O aquecimento global acima de 1,5°C é irreversível?

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Na última década, principalmente nos últimos anos, o planeta tem registrado recordes sucessivos de temperatura. O 6º relatório do IPCC, publicado entre 2021 e 2022, soou um alerta vermelho para a humanidade, deixando claro que a influência humana no aquecimento global é inequívoca. O aquecimento do planeta não é questionável, é um consenso.
O Acordo de Paris de 2015 estabeleceu metas para não deixar de modo algum o aumento da temperatura global ultrapassar 2°C até 2100 e, para tanto, seria essencial reduzir as emissões dos gases de efeito estufa em 70% até 2050 e zerar as emissões líquidas até 2100. A COP21 também estabeleceu o limite de 1,5°C como meta a fim de minimizar maiores riscos e impactos do aquecimento global.
Em 2021, a COP26, em Glasgow, na Escócia, lançou metas muito mais ambiciosas. A ciência indicava que para não ultrapassarmos 1,5°C teríamos de reduzir as emissões em 43% em relação àquelas de 2019 e zerar as emissões líquidas até 2050. Entretanto, parece que algo bem diferente vem acontecendo.
O ano de 2024 foi o primeiro a violar o Acordo de Paris e as metas da COP26 ao superar o limite de 1,5°C, um limiar significativo em termos de impactos sociais, ambientais e econômicos. Além dos recordes nas temperaturas nos continentes, tanto a temperatura global da superfície do mar (SST) quanto o conteúdo de calor oceânico (OHC) até 2.000 metros atingiram máximas sem precedentes no registro histórico. Os valores recordes de SST e OHC em 2024 indicam tendências inabaláveis de aquecimento global.
O fato de o mundo ter experimentado 12 meses consecutivos com temperaturas iguais ou superiores a 1,5°C fornece um importante dado adicional sobre o estado atual do aquecimento a longo prazo. Mas isso mostra uma tendência em permanecermos ultrapassando a meta de 1,5°C?
Dois estudos publicados em fevereiro na revista científica Nature Climate Change apontam que a tendência de aquecimento acima de 1,5°C é de longo prazo.
De acordo com Bevacqua e colegas, o aumento da temperatura média global registrado em 2024 sinaliza que a Terra provavelmente está no período de 20 anos com a temperatura média acima de 1,5º.
Os pesquisadores analisaram como anos isolados de calor extremo se relacionam com o início de um período prolongado de aquecimento. Eles combinaram observações e simulações de modelos climáticos da Fase 6 do Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados (CMIP6), com foco em modelos com maior capacidade de representar as tendências de aquecimento. A principal questão investigada foi se um único ano acima de 1,5°C pode ser interpretado como um sinal precoce de que o mundo atingirá o nível de aquecimento de longo prazo de 1,5°C.
O estudo aponta que, uma vez ultrapassado determinado patamar de aquecimento, não há retorno a níveis inferiores no intervalo de 20 anos. As simulações mostram que isso também vale para o limite de 1,5°C. Os autores apresentaram séries temporais que mostram fortes tendências de aumento da temperatura, reforçando que 2024 marca o início desse período crítico.
O estudo de Cannon considerou dados mês a mês. O pesquisador mostrou que, em simulações de modelos climáticos, a meta de longo prazo do Acordo de Paris e da COP26 geralmente é ultrapassada bem antes da ocorrência de uma sequência de temperaturas excepcionalmente altas.
A análise mostra que 12 meses consecutivos com aquecimento de 1,5°C, independentemente da influência do El Niño, geralmente ocorrem após o limite de 1,5°C ter sido atingido nas simulações. A pesquisa mostra que 12 meses consecutivos acima de um limite climático indicam que o aquecimento global nesse patamar vai continuar em longo prazo.
Não se pode afirmar que ficaremos acima de 1,5°C permanentemente, mas os pesquisadores mostraram uma tendência clara. Os dois estudos enfatizam que, mesmo que a redução das emissões comece agora, é provável que a Terra continue superando o limite de 1,5°C. Sem uma mitigação climática muito rigorosa, o primeiro ano acima de 1,5°C ocorre dentro do período crítico de 20 anos, com consequências irreversíveis para o sistema terrestre em áreas-chave como biodiversidade, nível do mar e estoques de carbono.
O aumento de 1,55°C na temperatura média global registrado em 2024 pode ser o início de um longo período do nosso planeta mais quente. Dados do observatório europeu Copernicus mostram que atualmente estamos com 20 meses acima de 1,5°C, o que reforça os resultados dos dois estudos.
Março de 2025 foi o 20º mês em um período de 21 meses em que a temperatura média global ficou mais de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Catorze desses 20 meses, de setembro de 2023 a abril de 2024 e de outubro de 2024 a março de 2025, ficaram substancialmente acima de 1,5°C, variando de 1,58°C a 1,78°C. Esse dado é importantíssimo e deve ser fortemente considerado na COP30 por ser crucial para fornecer uma direção e um ritmo claros para mitigar os piores cenários de aumento da temperatura global.
O último relatório do IPCC lançado quando ainda não tínhamos ultrapassado o limite de 1,5°C, já deixava claro que a menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, limitar o aquecimento a 1,5°C pode ser impossível.
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