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Opinião

Como chocamos nossa família ao anunciar o plano de viver no oceano

Jamais vou me esquecer do Natal de 1983. Compramos um pinheiro natural, verde com cheiro de mato, uma perfeita e linda árvore de Natal. Colocamos os enfeites, os presentes com os nomes de irmãos e irmãs, cunhados, cunhadas, pais, sobrinhos e sobrinhas. E apenas três pacotes pequenos com os nomes de cada um de nossos filhos. Nada de bicicletas ou grandes presentes para eles. Ainda bem que ninguém notou.

Os convidados começaram a chegar para a ceia. As crianças corriam para a praia, depois da longa viagem até nossa casa em Santo Antônio de Lisboa, Santa Catarina. Eu, discretamente, vigiava meus filhos. Pierre, David e Wilhelm tinham ordens de não revelar nosso segredo, mas, mesmo assim, eu tinha medo de que Wilhelm, na inocência de seus 7 anos, botasse tudo a perder.

A família Schurmann: (a partir da esquerda) Wilhelm Schurmann, Pierre Schurmann, Heloísa Schurmann, Vilfredo Schurmann e David Schurmann
A família Schurmann: (a partir da esquerda) Wilhelm Schurmann, Pierre Schurmann, Heloísa Schurmann, Vilfredo Schurmann e David Schurmann Imagem: Divulgação

A ceia foi servida e, à sobremesa, a conversa e as brincadeiras continuavam animadas. Vilfredo bateu com uma colher numa taça de vinho. Todos ficaram em silêncio, esperando o brinde do anfitrião:

"Heloisa, eu e os meninos gostaríamos de fazer um anúncio para toda a família aqui reunida", começou. No mesmo instante, mamãe, minha sogra, minha irmã e minhas cunhadas olharam para a mim, certas de que mais um bebê estava a caminho. "Vamos realizar um sonho", continuou Vilfredo. Elas sorriam. "Uma menininha", pensavam. "Eles sempre sonharam em ter uma filha". Eu podia ler os pensamentos. Todos tinham um sorriso nos lábios.

Vilfredo parecia estar tendo dificuldades em escolher as palavras. Tomou mais um gole de vinho, olhou para mim buscando apoio e falou, de uma vez só: "Em abril de 1984, Heloisa, eu e os meninos vamos realizar nosso sonho. Vamos partir para uma viagem de dois anos pelo mundo. Em nosso veleiro". Olhos esbugalhados, bocas abertas, mãos na cabeça. Ninguém sequer esboçou um sorriso ou nos deu os parabéns. Nossos filhos ficaram confusos. "Por que a família não estava tão feliz como nós?", indagaram.

Depois do choque inicial, as perguntas choveram, cheias de dúvidas sobre nossa decisão. E os agouros de que logo voltaríamos para casa, pois seria impossível viver com três filhos num pequeno veleiro no meio do mar. "Como você tem coragem de largar tudo, sua casa, seus amigos, a segurança do trabalho, suas conquistas profissionais, escola dos filhos, para ir atrás de um sonho?", perguntavam.

Nem tentamos explicar. Afinal, era o nosso sonho. E passamos dez anos planejando, batalhando para tentar realizá-lo. Ninguém nos faria desistir dele. É... jamais vou esquecer o Natal de 1983. A confirmação de que nós cinco sonhávamos o mesmo sonho, estávamos decididos a realizá-lo, independentemente da opinião de nossos familiares e amigos. E não por birra, teimosia. Mas porque a cada momento dos 10 anos de preparação, nosso sonho se tornava mais forte e sua realização estava a poucos meses de acontecer.

No dia 14 de abril de 1984, como planejado e anunciado, içamos as velas e zarpamos de Florianópolis. Sim! Acabamos de celebrar 41 anos de vida oceânica com muitas emoções, aventuras e desafios. Quatro décadas convivendo, observando, respeitando... vivendo esse imenso e maravilhoso planeta Água. Quando partimos, Wilhelm tinha apenas 7 anos, David, 10, e Pierre, 15.

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Realizar nosso primeiro grande sonho foi apenas o início de uma longa jornada. Uma jornada que nos levou a sentir o pedido de socorro dos nossos oceanos, sufocados pela crescente invasão de plástico, a criar a Voz dos Oceanos e a sonhar - e realizar - mais um sonho junto. E, mãe coruja, me orgulho de ver David no comando da nossa iniciativa e Wilhelm liderando nossa tripulação, como capitão do veleiro sustentável Kat.

Ah! Passado o "susto" daquele Natal de 1983, toda a família e amigos, claro, vibraram e ainda vibram com cada conquista nossa. Aprenderam rapidinho que seguimos tendo os nossos sonhos e que não desistimos jamais! Bons ventos às próximas décadas e a um futuro mais saudável para o nosso planeta Água!

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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