Como 'Vale Tudo' influenciou busca por direitos e por que isso importa

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Em março de 2021, Ecoa publicou uma reportagem que vale ser revisitada. Nela, a repórter Jennifer Ann Thomas mostra como as novelas influenciaram culturalmente a sociedade brasileira a se mobilizar em torno de questões sociais. Toda mudança social é também uma mudança de cultura.
Na semana passada foi a vez de "Vale Tudo", no ar pela TV Globo, fazer o mesmo caminho. Uma cena influenciou o número de pedidos de pensão alimentícia por todo o país.
Quem diz que a TV não tem mais relevância acredita mesmo que o seu quintal é maior que o mundo, como diz o poeta. Este me parece ser um dos tantos dilemas do nosso tempo: para falar com todo mundo, é preciso que todo mundo possa falar. Tem gente que não entendeu isso até agora. Ou não acha importante entender. E é assim que se perde o bonde da história, numa conversa adiada por vez.
Para a matéria, a Jennifer escutou da autora Glória Perez que a novela "Explode Coração" (1995) impulsionou o reencontro de 60 crianças desaparecidas enquanto esteve no ar. Na trama, Odaísa, interpretada por Isadora Ribeiro, era a mãe de Gugu. De capítulo em capítulo, a personagem fazia o caminho que centenas de mães fazem quando se deparam com essa dor inominável: buscar ajuda para entender o que fazer primeiro, perguntar com quais órgãos precisa falar e de que jeito. O seu encontro com outras mães, se organizando como um movimento social que busca empatia, apoio e respostas, emocionou profundamente quem assistia.
O que aconteceu na tela virou conversa na rua, o sonho de toda história. Daí a influenciar comportamentos é um pulo.
Trinta anos depois, em "Vale Tudo", a personagem Lucimar decide recorrer à Justiça para regularizar a pensão do filho. A cena, bem pedagógica, foi ao ar em 13 de maio, quando 1894 pedidos semelhantes eram registrados pela Defensoria Pública de SP. No dia seguinte, o número aumentou: 2.826. Não para por aí. Segundo o órgão, a busca por informações no site também cresceu em 57%.
Há quem diga que a TV aberta e, em especial, as novelas, tenham perdido a sua relevância numa sociedade ultra conectada. Ninguém assiste mais à televisão, está todo mundo na Internet, escutei mais de uma vez. O que aconteceu em "Vale Tudo" está aí para questionar uma das tantas interpretações possíveis da realidade, mas que quando cai na boca certa vira uma verdade indiscutível.
Ninguém para quem? Quem é este "todo mundo" conectado, se o Brasil ainda tem 29 milhões de pessoas sem acesso regular a Internet? Em tempo, rede social não é Internet.
Sim, é verdade que dificilmente teremos de novo um país inteiro parado para assistir a uma "Roque Santeiro", registrando 74 pontos de audiência. Mas é que o mundo é outro. E com novos tempos, chegam novos ídolos. Nisso, 21 parece ser o novo 74. Porque a TV aberta e as suas novelas seguem sendo objeto de atenção e interesse de muita gente.
É só pesquisar para quais classes sociais ela é culturalmente presente, como sempre foi. E era bem aqui que eu gostaria de chegar.
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