As pessoas não são feitas apenas de ideias
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Desde a sua morte, reportagens e artigos de opinião buscam traduzir a importância cultural do papa Francisco, aqui no Brasil e em todo o mundo. Seja pelas roupas que vestiu e que escolheu não vestir, seja pelos hábitos que levou ao Vaticano ou até as reformas que conseguiu fazer numa instituição milenar, como é a Igreja Católica, Jorge Mario Bergoglio mobiliza sentimentos e sensações. As pessoas não são feitas apenas de ideias.
O conclave, ritual de escolha da nova liderança espiritual de 1 bilhão e meio de pessoas no planeta, começa hoje e o assunto já ocupa espaço nos noticiários. Quando leio ou escuto de lideranças progressistas que o assunto nem deveria receber essa atenção toda, consigo entender melhor a dificuldade crescente que o campo tem de conversar com determinados setores da sociedade. É preciso buscar janelas, não espelhos.
Tudo isso é importante: as homenagens nos cartazes, o choro emocionado na frente da TV, centenas de quilômetros longe de Roma. Talvez não para mim ou para você, mas para alguém é. E é este alguém que deveria ser o centro do interesse de quem se propõe a buscar o diálogo em favor de uma sociedade radicalmente melhor para todas as pessoas ao mesmo tempo. Todas é isso, todas, não uma lista dos melhores amigos. Ou de quem concorda em tudo comigo.
Quando a gente se concentra demais na mensagem, se apaixona demais pelas ideias que se quer levar adiante, a gente perde o horizonte, mal percebe quem vem do lado de lá. O perigo é achar que só existe a gente nesta equação. A metade de uma história é de quem a lê ou a escuta.
A tentação é demais, eu sei. As redes sociais são construídas de uma maneira em que somos, o tempo todo, recompensados pelo extremo da interação. Falem bem ou falem mal, mas falem de mim. Na maior parte do tempo, uma câmara de eco: a gente se escuta, confirmando o que já desconfiava sozinho. E, todo dia, empurrados para quem pensa igual, age igual, sente igual. Uns chamam de algoritmo, eu acho mesmo que é uma armadilha. Voltemos a Francisco.
Conheço muita gente que não é católica, nem cristã. Algumas delas agnósticas ou ateias. Gente que nem reconhecia em Francisco uma liderança no sentido formal da coisa e, ainda assim, o admirava. E, ainda assim, parou para sentir a comoção que aconteceu, buscou pescar o sentido daquilo tudo. Estavam interessadas na mensagem, mas especialmente em quem a recebia. Entende o que eu digo? E aqui, de novo: as pessoas não são feitas apenas de ideias. Não considerar isso é não considerar o outro.
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