Rosana Santos

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Opinião

Matriz elétrica renovável é trunfo, mas precisa ser preservada

A transição energética é quase um capricho para o setor elétrico brasileiro. Enquanto a maioria dos países se vê obrigada a grandes esforços para substituir usinas térmicas fósseis por geração renovável, há mais de 50 anos o Brasil investe no aproveitamento desse mesmo potencial - primeiro com as hidrelétricas, depois com a biomassa e, mais recentemente, com projetos de energia eólica e solar -, de modo que hoje dispõe de uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo.

Essa condição não isenta o setor, no entanto, de responsabilidades em relação à crise climática: é fundamental manter essa renovabilidade e, ao mesmo tempo, garantir que a energia produzida possa ser acessada a custos justos e competitivos pelos consumidores.

Nesse contexto, a reforma do setor elétrico proposta pelo governo federal na semana passada, por meio da Medida Provisória 1.300/25, traz alguns aspectos relevantes do ponto de vista da transição.

O primeiro destaque - positivo - são as melhorias para as famílias de baixa renda, que, dentre outros benefícios, ficarão isentas do pagamento da conta de luz para um consumo mensal de até 80 kWh. Essa medida é importante para a transição justa, uma vez que garante que a população com dificuldades econômicas tenha acesso a um mínimo de energia para uma sobrevivência digna.

Outro ponto positivo é a possibilidade de contratação da chamada flexibilidade das fontes de geração de energia - como detalhado em reportagem da Agência Infra -, uma questão técnica que basicamente se refere à disponibilidade, no sistema, de provedores de energia que possam ser acionados rapidamente para fazer frente à variabilidade das usinas eólicas e solares. Ou seja, esses geradores devem garantir a manutenção da oferta de energia nos intervalos em que houver redução na operação das usinas variáveis.

Se bem regulamentado e voltado a opções limpas como hidrelétricas, resposta da demanda e as várias possibilidades com baterias, esse mecanismo vai agregar maior robustez ao sistema com menor custo, respeitando o fundamento de que a renovabilidade precisa ser mantida em prol da própria capacidade de o Brasil atrair investimentos produtivos verdes.

Por fim, a dimensão da reforma, a organização dos agentes em defesa de seus interesses e a tramitação do texto legal por meio de medida provisória provocaram uma enxurrada de manifestações no Congresso Nacional.

No total, foram 600 emendas protocoladas no processo, numa intensa disputa com praticamente nenhum espaço para discussões técnicas e inúmeros "jabutis".

Ou seja, emendas favoráveis a segmentos específicos e prejudiciais ao espírito fundamental de equilíbrio do setor que justamente a reforma deveria proporcionar, como a criação ou ampliação de subsídios e incentivos desnecessários e a contratação compulsória de fontes não competitivas, além da construção de gasodutos e termelétricas fósseis, e a manutenção dos subsídios à geração a carvão mineral.

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Além do risco de aumento das emissões de gases de efeito estufa, essas condições têm tudo para resultar em pressões substanciais sobre os custos do setor elétrico e dos valores pagos pela maioria dos consumidores.

Isso pode afetar diretamente a possibilidade de o país se beneficiar do powershoring, ou seja, o atendimento à prerrogativa de investidores do mundo todo quanto à disponibilidade de energia limpa competitiva e acessível como um fator decisivo para a localização de novas unidades produtivas.

Hoje essa é uma vantagem brasileira em favor do desenvolvimento do país e da descarbonização de outras geografias, que podem adquirir produtos brasileiros com menor pegada de carbono.

Não podemos nos esquecer: a renovabilidade da matriz elétrica é um trunfo brasileiro essencial no contexto da transição que precisa ser preservado.

Mudanças legais por emendas sem base técnica que pressionem custos e aumentem as emissões não só ameaçam essa vantagem comparativa, como tornarão ainda pior o equilíbrio setorial que a reforma precisava minimamente recompor.

Podem, portanto, comprometer pontos positivos da reforma e um dos principais instrumentos para que o país possa aproveitar a transição energética como uma alavanca de desenvolvimento socioeconômico.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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