'Essa gente tem orgulho do quê, meu deus?'

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Meu dia nesse três de junho começou como mestre de cerimônia, ao lado do ator e diretor Cassio Scapin, do evento que lançou oficialmente a Parada LGBT+ 2025 de São Paulo. Trata-se da maior parada gay do planeta. Não existe outra como a nossa em matéria de organização, articulação política, inclusão e tamanho. Para pessoas LGBT+, a parada de São Paulo - e, com efeito, qualquer outra parada gay pelo mundo - é motivo de orgulho e de pertencimento. Sempre que penso nesse evento me lembro de estar escutando um pós-jogo pelo rádio, num domingo qualquer em junho em 2004, e ouvir os comentaristas, entre uma análise e outra da rodada, se sentirem muito à vontade para comentar a parada que tinha acontecido naquele domingo na cidade de São Paulo. Entre desaforos e discursos de ódio, um conhecido comentarista, já falecido, ao saber que o nome do evento era Parada do Orgulho Gay (na época acho que era esse o nome oficial) disse a seguinte frase: Essa gente tem orgulho de quê, meu deus?
Escutar aquilo foi um tapa na minha cara. Meu time havia ganhado, eu estava feliz, mas a felicidade acabou no momento em que a ignorância do comentarista me acertou feito um punhal. Tentei ligar para a rádio e explicar por que eles não podiam dizer aquelas coisas, mas não consegui ser atendida. Claro que eles não teriam se importado com minha dor. Pelo contrário. Por isso, sempre que junho chega trazendo os ventos dessa festa LGBT+ eu me lembro desse episódio e sinto vontade de responder o falecido e badalado comentarista.
Temos orgulho de seguir existindo num mundo que todos os dias diz que não deveríamos estar aqui. Orgulho de sermos um movimento que luta pela mais básico e universal dos direitos: o de amar. Orgulho por pisar nesse mundo sabendo quem sou e por ousar respeitar meus desejos que não causam mal a ninguém. Orgulho por olhar para os lados e ver quem está vestido, vestida e vestide em arco íris como eu. Orgulho de batalhar por respeito e não por exclusão. Orgulho de não pertencer a um grupo miserável de seres humanos poderosos que brigam para nunca abrirem mão, das formas mais perversas possíveis, do poder que receberam como herança. Orgulho de não ser como aquele infeliz comentarista esportivo.
Tempos depois eu começaria a trabalhar com futebol e, das formas que estavam ao me alcance, passaria a mostrar que o futebol é um esporte para todas as pessoas. Existem milhões de brasileiros e de brasileiras que amam esse jogo e são por ele abusados todos os dias, todos os fins de semana, todas as rodadas.
Escrevo esse texto sabendo que a Procuradoria-Geral da República (PGR) acaba de emitir parecer favorável à constitucionalidade da Lei nº 6.469/2023, de autoria do deputado estadual Delegado Péricles (PL), que proíbe a participação de crianças e adolescentes em paradas do orgulho LGBTQIAPN+. Paulo Gonet, o PGR nomeado orgulhosamente por Lula, cometeu esse desatino, essa insanidade, essa desumanidade. A parada é uma festa para todas as pessoas adultas e pessoas crianças. Proibir famílias é reforçar preconceitos e estereótipos perigosos e violentos. Será que você teria dúvida entre deixar sua filha ou seu filho sob a supervisão de dez drag queens ou de dez legendários? Fica o questionamento.
É provável que, hoje, uma manifestação como a desse certo comentarista esportivo, que fez carreira numa das rádios mais populares de São Paulo, causasse revolta. Os tempos seguirão mudando, para desespero de muitos. E talvez o colega homofóbico tenha feito a derradeira travessia e finalmente chegado a um lugar onde apenas o amor faça sentido. De lá, quem sabe, ele possa ver a avenida Paulista, em São Paulo, no próximo 22 de junho e entender por que temos tanto orgulho de quem somos e de como fomos capazes de nos unir em nome de um mundo mais colorido.
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