Rosana Santos

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Opinião

Transição energética exige ação coordenada, investimento e ciência

A síndrome do coelho da Alice que tomou conta de quem trabalha com mudanças climáticas não tem muito segredo: de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa estabelecidas no Acordo de Paris para limitar o aumento da temperatura média na Terra em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais já não são suficientes e, em 2024, já ultrapassamos esse limite. Será necessário, portanto, redobrar os esforços para ao menos vislumbrar a possibilidade de ficarmos próximos do objetivo climático.

Ao mesmo tempo, a pressa é, pelo menos no caso do Brasil, uma resposta econômica inteligente à crise climática, pois a janela de oportunidades para o país exibir e se beneficiar de suas vantagens comparativas é estreita. Outras geografias estão se organizando e paulatinamente vamos perdendo tal oportunidade.

A academia tem papel central nessa discussão se não sucumbir a modismos, fomentar trajetórias brasileiras mais competitivas que as propostas por países com realidades diferentes da nossa e, sobretudo, entrar a fundo na formulação de propostas de políticas públicas bem embasadas cientificamente.

A transição energética exige mudanças regulatórias, econômicas e comportamentais que não só abram espaço para novas formas de produção e consumo com baixas emissões, como para o enfrentamento de resistências naturais de segmentos para os quais as transformações podem resultar em perdas econômicas.

Esse contexto tem contornos próprios no caso do Brasil, dados seus diferenciais significativos em relação à maior parte dos países. Os investimentos em hidroeletricidade e etanol, iniciados há mais de 50 anos, combinados com o desenvolvimento de projetos de energia solar e eólica desde os anos 2000 colocaram o país muito à frente do resto do mundo na descarbonização de suas matrizes energética e elétrica.

O amplo e diversificado potencial de fontes limpas ainda disponível permite que sigamos trilhando nossos próprios caminhos na transição, optando por alternativas mais adequadas e competitivas para a nossa realidade. Ou seja, não nos cabe importar tendências, e sim desenvolver soluções próprias que levem em conta nossas singularidades.

A independência de atuação dos pesquisadores e a possibilidade de inovação com qualidade e rigor técnicos tornam as universidades e centros de pesquisa essenciais nesse processo. A diversidade de disciplinas vinculadas ao tema e as oportunidades de interconexão acentuam essa relevância, com espaço para o desenvolvimento de diferentes eixos de estudos que reflitam tal diversidade.

A resposta econômica para o problema passa obrigatoriamente por análises sobre modelos de estímulos financeiros em favor da transição, garantindo sua alocação em segmentos que realmente façam a diferença no processo, respeitem as características e regras estabelecidas no país e proporcionem os melhores resultados possíveis para a sociedade brasileira. Tais mecanismos têm de ter clareza em termos dos objetivos a serem atingidos e contemplar datas de término, de modo que não sejam prorrogados quando não forem mais necessários para viabilizar economicamente as iniciativas.

Ao mesmo tempo, o ambiente acadêmico tem expertise para desenvolver novos sistemas voltados tanto para melhores formas de aproveitamento das fontes de energia limpa, como do seu consumo. Isso inclui aperfeiçoamentos de processos industriais que viabilizem a substituição de combustíveis fósseis por outros renováveis - como o carvão vegetal de origem sustentável -, ou neutros em termos de emissões - como o biogás.

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A lista pode incluir ainda pesquisadores da área de saúde - abordando aspectos como os impactos das mudanças climáticas na saúde pública ou os efeitos indiretos da transição nessas condições por meio, por exemplo, da adoção de ônibus elétricos nas grandes cidades, reduzindo emissões de poluentes danosos à saúde humana - e das ciências sociais - sobre como a transição justa também deve encaminhar a questão da disponibilidade, para a população mais pobre, de energia de qualidade a custo acessível -, entre muitas outras.

É muito relevante que, com linhas de pesquisas como essas, cada vez mais comunidades acadêmicas se engajem na união de esforços em favor da transição energética no país, que também congrega representantes de governos, empresas e outros especialistas. Uma cooperação que exige investimentos, tempo e resiliência, bem como agilidade. Afinal, a agenda da transição é extensa e desafiadora, mas é também urgente.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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