Por que o aquecimento global está acelerando tão depressa?
Ler resumo da notícia

Ao longo do tempo ocorreram diversas mudanças no clima devido a fatores naturais, resultantes de variações internas do próprio sistema terrestre. Porém, essas mudanças ocorreram ao longo de centenas a milhares de anos, ou seja, muito lentamente. No último século, e principalmente nas últimas décadas, houve aumento muito rápido e intenso da temperatura média global. E o principal responsável foi a atividade humana.
A taxa de aquecimento global desde 2010 aumentou em mais de 50% em relação à taxa de aquecimento nas quatro décadas anteriores, aumentando mais de 0,4ºC apenas nos últimos dois anos.
As observações recentes mostram uma aceleração no aumento da temperatura média global. Em 2023, o aquecimento foi de 1,45ºC, e 2024 ficou 1,55ºC acima dos níveis pré-industriais (1850-1900). Janeiro, fevereiro e março de 2025 ficaram 1,75ºC, 1,59ºC e 1,60ºC acima dos níveis pré-industriais, respectivamente.
Por mais de 20 anos, os instrumentos da Nasa no espaço têm rastreado um desequilíbrio crescente no orçamento de energia da Terra, com mais energia entrando do que saindo do planeta. Grande parte desse desequilíbrio pode ser atribuído às emissões de gases de efeito estufa antropogênico, que prendem o calor na atmosfera. Mas explicar o resto do aquecimento tem sido um grande desafio.
A ciência atualmente está tentando entender qual é a causa dessa aceleração do aquecimento global nos últimos anos e por que ultrapassamos o limite de 1,5ºC antes das previsões realizadas por modelos matemáticos sofisticados do sistema terrestre. Ainda não há respostas definitivas, mas diversas hipóteses estão em investigação, entre elas:
A erupção do vulcão Tonga (Hunga Tonga-Hunga Ha'apai). Em janeiro de 2022, essa erupção lançou uma quantidade enorme de vapor d'água, um gás de efeito estufa, na estratosfera, o que pode ter contribuído para um leve aquecimento temporário da superfície terrestre. Porém, o impacto no aquecimento foi pequeno, e os níveis de vapor voltaram ao normal em dois anos. O efeito se dissipou quando o vapor d'água extra saiu da estratosfera, tendo sido insuficiente para aumentar os efeitos do aquecimento global atual.
As nuvens reflexivas do mundo encolheram. Nas últimas suas décadas, as nuvens diminuíram em um grau pequeno, mas tangível, permitindo a entrada de mais luz e impulsionando o aquecimento global. Simulações mostram que a diminuição do albedo, ou seja, da quantidade de radiação solar que é refletida de volta ao espaço pela superfície e pela atmosfera da Terra, devido à menor quantidade de nuvens, contribuiu com 0,2°C de aquecimento para os recordes de temperatura em 2023, um valor insuficiente para explicar, sozinho, o aquecimento excepcional observado.
Redução de poluentes emitidos por navios. A partir de 2023, navios passaram a utilizar combustíveis com baixo teor de enxofre, em substituição aos tradicionais combustíveis fósseis, como gasolina e óleo diesel, que liberam grandes quantidades de enxofre, um poluente tóxico. Essa mudança reduziu a formação de nuvens refletivas geradas por partículas de enxofre, que antes ajudavam a bloquear parte da radiação solar. Com menos nuvens, mais luz solar passou a incidir diretamente sobre os oceanos, aumentando sua absorção de calor e, consequentemente, contribuindo para o aquecimento global.
O fenômeno El Niño de 2023-2024 poderia ser a causa dos recordes de calor, porém, o fenômeno terminou em abril de 2024 e as temperaturas continuaram altas até o fim do ano. Após o El Niño, passamos por um episódio de La Niña, que resfria a superfície do Pacífico Equatorial e pode afetar o clima global. Mesmo sob um La Niña, a temperatura global nos três primeiros meses de 2025 continuaram batendo recordes.
Menos aerossóis na atmosfera podem acelerar o aquecimento global. Simulações em modelos climáticos mostram que uma rápida redução de aerossóis na última década pode ser uma das razões da recente aceleração no aquecimento global. A maioria dos aerossóis, seja de origem natural ou antropogênica, reflete os raios solares, o que esfria o clima. Estima-se que atualmente os aerossóis estejam mascarando o aquecimento global em 0,5ºC, um terço do aquecimento já ocorrido.
A diminuição na cobertura do gelo marinho na Antártida e no Ártico em 2023 e 2024 pode ter contribuído em parte para o aumento na temperatura média global. Em junho de 2023, a extensão do gelo marinho da Antártida esteve 17% abaixo da média e, em julho de 2024, a extensão do gelo marinho do Ártico ficou 7% abaixo da média para o período. O mar de gelo reflete cerca de 50% da radiação solar, e o oceano reflete apenas cerca de 6%, ou seja, com menos gelo no mar, o planeta absorve mais calor.
O aumento na concentração de dióxido de carbono nas últimas décadas. Durante os ciclos da era glacial dos últimos milhões de anos ou mais, o dióxido de carbono atmosférico nunca excedeu 300 ppm (partes por milhão). Desde a era industrial, os humanos geraram cerca de 1,5 trilhão de toneladas de poluição por dióxido de carbono. De acordo com dados da Noaa (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA), as taxas médias de dióxido de carbono vêm aumentando: no período 1960-1970 a taxa anual era de 0,87 ppm, em 1990-2000 subiu para 1,52 ppm e mais recentemente, entre 2010-2023, atingiu 2,44 ppm.
A energia associada a essas hipóteses não é suficiente para explicar o aquecimento excepcional dos últimos anos. Os recordes de temperatura registrados em 2023 e 2024 refletem a combinação entre a aceleração do aquecimento climático induzido por atividades humanas e uma fase anormalmente quente da variabilidade oceânica, marcada por anomalias inéditas da temperatura da superfície do mar (SST) em diversas regiões. Ainda assim, isso não explica por completo a recente intensificação do aquecimento global.
É fundamental compreender por que ultrapassamos o limite de 1,5°C antes do que previam os cenários científicos. A comunidade científica precisa buscar consenso à luz dos recordes históricos de temperatura registrados nos oceanos. Apesar de altamente sofisticados, os modelos climáticos precisam continuar sendo aprimorados para representarem de forma ainda mais realista os complexos mecanismos que envolvem as mudanças climáticas.
Para os leitores que quiserem se aprofundar no tema, indicamos alguns artigos científicos:
Oceanic cloud trends during the satellite era and their radiative signatures
Recent global temperature surge intensified by record-low planetary albedo
Has Reducing Ship Emissions Brought Forward Global Warming?
The Hunga Tonga-Hunga Ha'apai Hydration of the Stratosphere
*Wagner Soares é meteorologista pela UFPEL (Universidade Federal de Pelotas), mestre em Meteorologia Agrícola pela UFV (Universidade Federal de Viçosa) e doutor em Meteorologia pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Tem pós-doutorado na área de mudanças climáticas pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.