Lúcia Helena

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Reportagem

Chega ao Brasil um novo tratamento para baixar o colesterol

Quatro em cada dez brasileiros adultos têm um colesterol LDL elevado além da conta. Esse é aquele colesterol de baixa densidade que se deposita nas paredes dos vasos que é uma tristeza! Portanto, não falta a esses indivíduos matéria-prima para placas nas artérias, que amanhã ou depois podem virar o estopim de um infarto ou de um AVC (acidente vascular cerebral). E pior: estudos indicam que, entre essa gente com dosagem alta e com o coração consequentemente ameaçado, menos de 20% conseguem alcançar a meta de tratamento, ou seja, baixar essa partícula gordurosa para níveis mais seguros.

Há, pelo menos, três razões para esse resultado que deixa a desejar. Se o colesterol perambula aos montes pela circulação, ele não faz estardalhaço. Forma vagarosamente as tais placas sem disparar sintomas. Então, por falta de aviso e de exames periódicos, muita gente ignora que seus níveis estão perigosamente nas alturas.

Existem também aqueles que não seguem à risca as recomendações dos cardiologistas e acabam deixando a medicação de lado. E, por fim, também existem pessoas em que um remédio para baixar o colesterol não dá conta do serviço sozinho, o que é bastante comum. Aliás, por isso mesmo os médicos costumam fazer combinações com o arsenal disponível — arsenal que, agora, vai ganhar um novo integrante.

Aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), trazido ao país pela Daiichi Sankyo Brasil, farmacêutica global de origem japonesa, o novo tratamento combina duas moléculas, reunidas em um comprimido de uso diário. Uma delas é velha conhecida: a ezetimiba. A grande novidade para os pacientes brasileiros é o segundo princípio ativo, chamado ácido bempedoico, que já vem sendo usado nos Estados Unidos e em países da Europa e da Ásia.

Tal qual as clássicas estatinas, o ácido bempedoico age no fígado. Mas, diferentemente delas, não provoca dores musculares em alguns pacientes.

O efeito da nova dobradinha

O que a primeira molécula, a ezetimiba, faz é inibir a absorção do colesterol proveniente da alimentação ou reaproveitado depois de ter sido descarregado com a bile no intestino. Com isso, uma quantidade menor dessa molécula vai parar no sangue no processo da digestão.

"É uma droga que temos há alguns anos e que — embora possa ser dada em monoterapia, isto é, sozinha —, no dia a dia vinha sendo usada junto com uma estatina, quando o paciente precisava atingir metas mais agressivas", explica a cardiologista Viviane Giraldez, da Unidade Clínica de Lípides do InCor (Instituto do Coração) da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e também da área de Cardiologia Molecular do Grupo Fleury.

Vale parênteses: o valor ideal do colesterol LDL varia de pessoa para pessoa conforme o risco cardiovascular. Para alguém muito saudável, níveis abaixo de 100 mg/dL (miligramas por decilitro de sangue) são razoáveis. Já para quem tem um risco consideravelmente alto, porque passa apuros com suas coronárias ou já infartou, o colesterol LDL deveria ficar em 70 mg/dL ou até menos do que isso.

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Segundo a doutora Viviane, para ajudar alguém a chegar a níveis assim baixinhos, a ezetimiba isoladamente seria capaz de promover uma diminuição do colesterol LDL em 18%. Ao lado de uma estatina? Uns 25%, então. E aí é que se percebe a diferença da nova dobradinha com o ácido bempedoico: "O estudo que avaliou especificamente essa combinação mostrou uma redução em torno de 38%, o que é bastante interessante", considera a cardiologista.

Esse trabalho em dupla é, sem dúvida, vitorioso. Se estivesse sozinho no comprimido, o ácido bempedoico provavelmente não cortaria os níveis desse colesterol em mais do que 20%. Detalhe importante: nos estudos, graças à redução próxima de 40% obtida com o comprimido do ácido bempedoico junto com a ezetimiba, praticamente 7 em cada 10 pacientes alcançaram as metas preconizadas por seus cardiologistas.

Como age o tal ácido bempedoico

Boa parte do colesterol que circula no nosso organismo não vem do que comemos, mas é sintetizado pelas células do fígado, como resultado de uma série de reações. Pois bem: as estatinas impedem uma delas e com isso atrapalha a linha de produção da partícula.

O ácido bempedoico também age no fígado, mas bloqueia uma outra reação nessa cadeia que leva à formação da molécula de colesterol. "No final das contas, o desfecho é semelhante: você vai inibir a sua síntese", resume a doutora Viviane.

Uma diferença, porém, é que o tal ácido é o que a cardiologista define como uma prodroga. Pergunto o que isso significa: "Quando entra no organismo, ele ainda precisa ser ativado por uma enzima", explica a médica. Só que essa enzima que converte o ácido bempedoico em droga pra valer, capaz de interromper a produção hepática do colesterol, não existe nos músculos. Ou seja, ele é incapaz de agir por lá.

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É uma boa notícia. Isso porque uma queixa de quem usa estatinas é ficar com a musculatura dolorida. "Lembrando que as estatinas são extremamente seguras e, em geral, muito bem toleradas", ressalva a cardiologista. "Mas, para quem é sensível, o novo tratamento se torna uma opção."

Para quem é indicado e para quem não é

A aprovação por enquanto é para uso em adultos. A medicação — que, no Brasil, terá o nome Nustendi — poderá ser prescrita tanto para quem tem a chamada hipercolesterolemia primária quanto para quem tem a mista. Esse palavrão — "hipercolesterolemia" — nada mais é do que colesterol alto. "A gente fala que o problema é primário quando é predominantemente genético", explica a doutora Viviane. Ou seja, é aquele sujeito que já nasce com propensão a acumular colesterol LDL no sangue.

Já o termo hipercolesterolemia secundária é usado quando o que mais conta para os níveis elevados de colesterol é o ambiente — por exemplo, o ganho exagerado de peso, a dieta desequilibrada e o sedentarismo. Ou seja, o que cada um faz de de sua vida e como se cuida. "Mas, em geral, o que mais vemos são casos mistos, uma associação da genética com o ambiente", observa a cardiologista.

Ela avisa, porém, que a nova terapia pode levar a um aumento do ácido úrico. Para boa parte das pessoas, ele não causa maiores transtornos. "No entanto, se eu tenho um paciente com gota, que é uma condição provocada pelo excesso dessa substância, ela já não seria uma boa", exemplifica.

Os estudos também observaram um discreto aumento de transaminases, enzimas que dão uma pista do funcionamento do fígado. "Mas ele foi realmente muito pequeno e, provavelmente, transitório", diz a doutora.

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Notou-se, ainda, uma leve elevação da creatinina entre os usuários. Trata-se de uma substância liberada pelo metabolismo dos nossos músculos e que costuma ser eliminada pelos rins. "Isso sugere que, talvez, a gente precise ter um pouquinho mais de cuidado com aqueles indivíduos que apresentem uma doença renal crônica, mas só isso", afirma a cardiologista.

Que vantagem a gente leva?

Essa é uma boa pergunta. Afinal, hoje em dia os cardiologistas dispõem de um vasto cardápio de alternativas. Além das tradicionais estatinas e de drogas para inibir a absorção do colesterol, existem, por exemplo, anticorpos monoclonais que se ligam a uma enzima chamada PCSK9 para bloqueá-la. É que ela ocupa receptores do fígado que absorveriam o colesterol a mais no sangue e isso faz com que o LDL continue por lá, circulando.

A doutora Viviane Giraldez conta que vê, no mínimo, duas vantagens com a chegada do ácido bempedoico, ao lado da ezetimiba, além daquela de não provocar dores musculares em pessoas sensíveis: "Primeiro, mesmo para quem já usa uma estatina , esse tratamento poderá ser usado para a gente ter um benefício adicional", explica. Sim, a nova terapia age no mesmo lugar que as estatinas — no fígado —, mas em outro ponto da reação em cadeia que leva à síntese do LDL. Ou seja, a tendência é haver uma maior redução.

"Um segundo aspecto positivo é que essa droga é uma pequena molécula, sintética, de produção mais fácil", pensa a médica. "Por enquanto, ninguém sabe o preço que terá no Brasil, mas a tendência é não ser tão cara quanto algumas opções disponíveis no mercado e o acesso é sempre uma questão relevante." O lançamento deverá acontecer no segundo semestre deste ano e essa é a expectativa: fazer o coração pular de saúde, sem tantos sobressaltos provocados pelo bolso.

Reportagem

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