Cris Guterres

Cris Guterres

Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Não por prazer mas para agradar: 79% das mulheres já fingiram orgasmos

Quanto tempo uma mulher demora para gozar? Se a sua resposta veio expressa em minutos, talvez ela esteja errada. Porque o tempo do prazer feminino não se mede em cronômetro. Ele se mede em camadas de medo, de silêncio, de vergonha. Ele se mede em quanto tempo uma mulher leva para se ouvir e deixar de fingir.

Leila tem 40 anos. É mãe. É independente. É bonita, inteligente, desejada. E, até agora, nunca tinha gozado. A personagem de Carolina Dieckmann na nova versão de Vale Tudo vive um momento de virada depois de uma transa com Marco Aurélio, interpretado por Alexandre Nero. No capítulo que foi ao ar dias atrás, ela diz ao parceiro no fim da relação sexual: "Acabei de descobrir que prazer e orgasmo são duas coisas diferentes."

A frase reverbera como confissão e manifesto. Porque não é sobre ignorância, é sobre condicionamento. Leila não é uma garota insegura começando a vida. Ela é uma mulher que teve que ser tudo: mãe, profissional, parceira, bonita, forte. Menos uma coisa: livre para pensar em si.

E nesse momento, a ficção acerta onde a realidade tem errado. Uma pesquisa da Think Eva com mais de duas mil brasileiras revelou que 79% já fingiram orgasmo. E o que isso nos diz? Que, para muitas de nós, prazer virou encenação. Que fomos ensinadas a agradar, não a sentir. Que fomos ensinadas que o sexo termina quando o outro goza. Que nosso corpo é território de passagem, não de permanência.

E mesmo diante dessa cultura que nos ensinou a calar, o nosso corpo insiste em dizer que também quer prazer. A psicopedagoga e terapeuta sexual Luana Lima, explica: "A gente teve avanços em pesquisas que demonstram o quanto o corpo feminino é uma potência. A gente tem um órgão que é só para o prazer. Mulheres cis, com vulva, têm um órgão que é só para o prazer. Isso já é muito significativo. Isso é muito potente".

Luana está se referindo ao clitóris, mas também está falando de uma verdade mais profunda: fomos feitas para sentir. A existência desse órgão é, por si só, uma prova irrefutável de que o prazer feminino não é um capricho, é uma função, uma potência, um direito.

Durante séculos, esse órgão foi omitido de livros de medicina, retirado de ilustrações, tratado como detalhe anatômico. E em algumas partes do mundo, ele ainda é arrancado. Meninas e mulheres são submetidas à mutilação genital como forma de controle de seus corpo e de seus desejos.

Faça uma pesquisa rápida entre suas amigas e pergunte quem já fingiu orgasmo, e a resposta será muito próxima do resultado da pesquisa realizada pela Think Eva, e virá acompanhada de um outro comentário que agrava a situação: o fato de que as mulheres não encontram escuta em seus parceiros.

Quantas mulheres teriam a coragem de Leila e diriam ao parceiro que nunca gozaram? Quantas já tentaram dizer e foram ignoradas, desacreditadas, silenciadas? O medo de parecer frígida, o receio de ferir o ego masculino, o pavor de serem abandonadas. Tudo isso tem calado mulheres por décadas.

Continua após a publicidade

Um estudo da Universidade Estadual de Missouri confirma: mulheres evitam dizer que estão insatisfeitas sexualmente para não abalar a autoestima do parceiro. E essa escolha, ainda que silenciosa, é um grito de exaustão. Porque existe um lugar pesado demais para nós, mulheres, o de carregar sozinhas a frustração das relações, enquanto protegemos a vaidade do outro.

Leila, ao contrário, quer escuta. Quer se descobrir. E sua descoberta não é só sobre orgasmo, é sobre autonomia. Ao reconhecer que nunca gozou, ela está dizendo: fingi por muito tempo. Está dizendo: agora sou eu que me escolho.

"Buscar o próprio prazer, reconhecer a própria sexualidade, a potência do próprio corpo, era uma coisa muito ligada à promiscuidade. A mulher 'direita', era a que não performava a sexualidade, a mulher era a que se doava", explica Luana. Hoje, é tratado como coragem. E a coragem de Leila não é ficção. Ela representa milhares de mulheres que estão cansadas de carregar relações nas costas, de servir sem ser sentidas. "As mulheres têm se questionado mais. Têm rompido máscaras, têm instigado o olhar para si. O desafio é grande, mas a busca pelo autoconhecimento está viva", completa a terapeuta.

É por isso que ver uma novela abordar temas como esse não é só entretenimento, é transformação. Quando uma personagem como Leila olha para si e diz que nunca gozou, ela não está apenas se libertando, ela está abrindo caminho para que outras mulheres façam o mesmo.

A televisão, que por tantos anos reforçou padrões, agora também pode rompê-los. E quando uma cena dessas vai ao ar em pleno horário nobre, o recado é claro: o prazer feminino não será mais escondido. Ele será dito, vivido, assumido sem vergonha e com verdade.

E, de preferência, com muitos orgasmos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.

OSZAR »