Josimar Melo

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Opinião

Carnes igualmente sem graça, filé mignon e picanha se merecem

Estive recentemente provando uma variação do menu oferecido pela churrascaria Varanda Grill, de São Paulo.

A casa sempre teve um interessante cardápio, dividido pelos tipos de corte de carne mais típicos de cada um de três países churrasqueiros: Argentina, Brasil e Estados Unidos. Desta forma, os clientes podem escolher, por exemplo, um baby beef à brasileira, um bife de chorizo do tipo argentino ou um ribeye de estilo norte-americano.

Além disso, agora o restaurante oferece também um menu-degustação (a preço fixo, R$ 295) com uma pequena etapa para cada país. Ele se chama Churrasco das Américas, e tem também acompanhamentos clássicos e sobremesas típicas.

O interessante no menu normal do Varanda é que fica escancarada — aliás, como em outras boas churrascarias — a quantidade de cortes com sabores e texturas tão mais interessantes do que os insossos campeões de audiência de décadas, a saber, o filé mignon e a picanha.

Corte de picanha
Corte de picanha Imagem: Getty Images/iStockphoto

No passado o filé já foi o corte mais caro, cobiçado também nas churrascarias. Com o tempo perdeu, nas churrascarias, para a picanha e até para outros cortes, mas nos demais restaurantes continua imperando, seja para fazer carnes com molhos afrancesados, seja para um prosaico bife à milanesa (ou à parmigiana).

Enquanto isso, nas churrascarias Brasil afora, a picanha tomou seu lugar.

Por que estes cortes ganharam tanto prestígio? Porque são macios, fáceis; e ainda por cima porque são pequenos no boi, o que os torna raros e caros objeto de desejo e ostentação. Mesmo que não tenham textura nem sabor comparáveis com tantos outros cortes.

Filé mignon ganhou a fama em outros tempos
Filé mignon ganhou a fama em outros tempos Imagem: Getty Images
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Dá até pra entender como isso começou. No passado não se utilizavam técnicas de maturação que amaciavam a carne. O boi praticamente pulava do abate para a mesa. A carne "verde" era uma garantia de que não havia dado tempo de a carne estragar. A pressa, neste caso, era inimiga da decomposição — o que era bom.

O problema era que a adrenalina gerada pelo abate e o rigor da carne fresca resultavam em dois tipos de produto: a rara carne macia (caso do filé, localizado numa parte do boi que não se move, portanto não enrijece a musculatura); e o restante, carne "de segunda", que ficava dura se preparada à minuta, e por isso era melhor quando passava por longos cozimentos.

A picanha foi a sucessora do filé na obsessão pela maciez acima de tudo. E se merecem.

Picanha é a queridinha dos brasileiros, mas merece esse posto hoje em dia?
Picanha é a queridinha dos brasileiros, mas merece esse posto hoje em dia? Imagem: Ribeiro Rocha/Getty Images/iStockphoto

Também numa região com pouco movimento muscular, antes de virar estrela costumava ser vendida como parte de uma grande peça chamada alcatra. Foi somente nos últimos 50 anos, ao se perceber a maciez daquele canto do alcatra, que a picanha passou, pouco a pouco, a ser seccionada separadamente, e ganhou o gosto fácil de brasileiros que prezavam pela carne mais molinha — não necessariamente a mais saborosa.

Sorte dos hermanos, que encontraram mercado para vender aquele corte ignorado pelos devoradores locais de contrafilé na forma de bifes ancho e de chorizo.

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Da minha parte, prezo pelo sabor e pela textura. Sabor que certamente se encontra mais nas carnes perto do osso. É o caso daquelas próximas da coluna e da costela (que recebem vários nomes dependendo do setor, variações do contrafilé).

Também dos prolongamentos das costelas (costela de ripa, assado de tira). E daquelas partes mais dianteiras, do ombro ou paleta, que começam a dar sinal nos cardápios com nomes como o mais conhecido acém, e outros ainda estrangeirados (sholder, flat iron). Sem falar das pernas, origem de cortes como os que chamamos de músculo ou ossobuco.

Ribeye e assado de tira do Varanda, em São Paulo
Ribeye e assado de tira do Varanda, em São Paulo Imagem: Elias Gomes

E, ufa, fora estas que estão perto do osso, há tanto a descobrir. A textura e a irrigação da fraldinha, por exemplo, que lembram a maravilhosa peça que tantos brasileiros execrarão só pelo nome: o diafragma (ou na Argentina e Uruguai, entraña).

Não vou nem falar em miúdos, para não abusar da paciência dos amantes monogâmicos da picanha.

Repito que em tempos antigos a maioria dos cortes precisavam de longos cozimentos para serem mastigáveis (e revelar, nos caldos que produzem, todo seu sabor).

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Entendia-se que um bife, ou uma carne na grelha, tivesse que ser de filé mignon. E em geral, e não por acaso, com ricos molhos para dar-lhe o sabor que lhe faltava.

Mas hoje, com os manejos das raças e as técnicas de maturação úmida ou seca, podemos aproveitar no churrasco, na grelha, na frigideira, a intensidade pura de carnes mais saborosas que os tediosos filés e picanhas.

Quando eu for um velhinho desdentado talvez não tenha saída senão carnes molinhas. Enquanto não chegar a tanto, prefiro sentir a cada dentada a textura de suas fibras, e desvendar os sabores que elas encerram.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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