Vibra com maldades na TV? Por que as pessoas gostam tanto das vilãs?
Marcelo Testoni
Colaboração para VivaBem
16/05/2025 05h31
O que Odete Roitman, Nazaré Tedesco e Carminha têm em comum? Além de serem algumas das maiores vilãs da teledramaturgia brasileira, essas personagens conquistaram uma verdadeira legião de fãs —e não estamos falando de quem as odiava, mas de quem torcia por elas e até se divertia com suas perversidades.
Donas de personalidades fortes, falas marcantes, calculistas e sem qualquer pudor em passar por cima de quem estivesse em seu caminho, elas conquistaram mais atenção, e até mais admiração, do que as próprias mocinhas dos folhetins.
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Mas, afinal, por que tanta gente se encanta com personagens tão cruéis? Quais traços psicológicos estão por trás dessa identificação ou fascínio? A resposta envolve muito mais do que gosto por drama, e é disso que vamos falar a seguir.
Revelando o fascínio por malvadas
É inegável: vilãs costumam romper com regras sociais, dizer o que pensam sem medo, agir com liberdade e ousadia —qualidades que muitas pessoas reprimem ou não conseguem exercer no dia a dia. Dessa maneira, elas despertam uma mistura de espanto, fascinação e até inveja inconsciente. É como se, ao vê-las nas telinhas, o público pudesse viver, por alguns minutos, os impulsos que normalmente precisaria esconder.
Entre as características mais marcantes dessas personagens, estão:
Transgressão com carisma: vilãs quebram protocolos diplomáticos com charme, sedução e presença, o que torna suas atitudes mais envolventes;
Complexidade emocional: são personagens densas, com traumas, contradições e histórias que muitas vezes despertam empatia na audiência;
Alívio cômico ou dramatúrgico: muitas vilãs também divertem e movimentam a trama com inteligência, gargalhadas e muito sarcasmo;
Representatividade invertida: por bastante tempo, mulheres foram retratadas como submissas; ao verem vilãs no controle, muitas se sentem representadas, mesmo que em um papel "negativo".
Ou seja, além de cometerem maldades, as vilãs também enfrentam dilemas, têm sentimentos e vivem conflitos internos como qualquer pessoa. Elas sofrem, se apaixonam, sonham com outras vidas, e, muitas vezes, agem movidas por dor, injustiças ou frustração. Isso não as torna exatamente "boas", mas mostra que são complexas, cheias de camadas e muito mais humanas do que parecem.
Não confunda ficção com realidade
Seja em novelas, filmes ou séries, a ficção oferece um ambiente seguro para que possamos vivenciar emoções ambíguas (e até "proibidas") e experimentar cenários extremos sem ter de lidar com suas consequências reais. No entanto, é fundamental não confundir a admiração por vilãs com aprovação de suas atitudes fora das telas.
Na realidade, comportamentos semelhantes aos delas (como manipular, humilhar, ferir, explorar os outros) causam sofrimento verdadeiro em outros. O que na trama pode parecer empoderamento, autenticidade ou coragem, no mundo real é sinal de abuso emocional, violência, preconceito e desrespeito. A ficção exagera para gerar impacto e entreter, mas isso não torna certas condutas aceitáveis aqui fora da telinha.
Reconhecer essa diferença é importante para manter uma visão crítica e saudável sobre os conteúdos que consumimos. Podemos torcer por uma vilã e admirar sua complexidade, mas sem perder de vista que, no nosso mundo, atitudes semelhantes são inaceitáveis. Essa distinção protege nossos valores, evita a romantização do que é condenável (inclusive por lei) e contribui para relações mais empáticas, responsáveis e conscientes.
Vilões do nosso cotidiano: como lidar com eles?
Lembre-se: a arte reflete aspectos da realidade. Em geral, quem adota atitudes egoístas, cruéis ou manipuladoras no dia a dia já possui uma predisposição psicológica ou emocional para agir dessa forma —o entretenimento apenas oferece um espelho simbólico, não uma instrução de como ser mau.
Esse tema tem muito a ver com o conceito de "sombra", do psiquiatra suíço Carl Jung. A sombra representa o lado oculto da psique, aquilo que reprimimos ou não reconhecemos em nós mesmos: impulsos agressivos, inveja, arrogância e por aí vai.
Quando uma pessoa não reconhece nem integra essas partes, elas podem se manifestar de forma inconsciente, seja através de projeções nos outros, seja por comportamentos destrutivos. Isso explica, em parte, por que algumas pessoas normalizam e reproduzem atitudes e comentários reprováveis: estão dominadas por aspectos da sombra que não foram trabalhados.
Além disso, certos transtornos de personalidade, como narcisista e antissocial (mais frios ou manipuladores) ou borderline (de instabilidade emocional intensa), podem estar por trás de condutas nocivas. Esses transtornos envolvem padrões persistentes de comportamento que prejudicam relações interpessoais e a própria percepção da realidade. Lidar com pessoas assim requer cautela, limites claros e, muitas vezes, apoio psicológico. Abaixo, algumas dicas práticas:
Evite confrontos diretos: vilões reais costumam reagir mal a críticas. Prefira diálogos firmes, mas calmos;
Estabeleça limites claros: diga "não" quando necessário e preserve seu espaço emocional;
Não espere empatia: proteja-se emocionalmente e evite expectativas irreais;
Busque apoio profissional: se o convívio for inevitável, a ajuda de um terapeuta pode oferecer estratégias;
Afaste-se quando possível: sua saúde mental vale mais do que manter qualquer relação tóxica com pessoas assim.
Fontes: Gustavo Magalhães, médico pela UFPI (Universidade Federal do Piauí) e psiquiatra do Instituto Perin; Izabel Caroline de Oliveira Souza, psicóloga pós-graduada em psicopatologia da Clínica Maia (SP); Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP.