Morte súbita ao dormir: 'O coração do meu bebê simplesmente parou de bater'

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"É muito difícil lembrar exatamente como tudo aconteceu. Parece que você fica anestesiada." Essas foram as primeiras palavras de Kamila Signorelli, 40, quando começou a contar do dia em que sua vida mudaria para sempre, sem aviso prévio: 6 de junho de 2024.
Nessa data, Theo, um bebê saudável de um ano e oito meses, único filho de Kamila, morreu de forma súbita enquanto dormia. Até hoje, a causa da morte é um mistério.
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Era uma quinta-feira como qualquer outra. Excepcionalmente, Kamila e o marido, Raul, naturais de São Paulo e residentes em Brotas (SP), estavam em Campinas (SP) a trabalho.
A avó materna de Theo era quem cuidava dele naquele dia. No período da tarde, o casal recebeu uma ligação do avô paterno do bebê, que é médico.
"Meu sogro disse: 'Vocês estão vindo para casa?' Respondemos que não, que ainda tínhamos outra reunião. E então ele falou: 'Então cancelem, vocês precisam vir para cá. O Theo não está bem'", recorda. "Na hora, veio aquela sensação ruim, mas não tivemos o ímpeto de perguntar o que tinha acontecido. Pegamos o carro e fomos."
Durante a viagem, Kamila ligou para a sogra para ter notícias de Theo. Ela perguntou o que ele tinha, mas ela reforçou que ele não estava bem e que havia sido internado.
Chegando ao hospital, os médicos levaram Kamila e Raul até uma sala, onde estavam os avós de Theo. Kamila achou aquela situação muito esquisita. Então, veio a notícia: Theo havia tido uma parada cardiorrespiratória e não resistiu.
Perplexa, Kamila questionou: "Como assim 'não resistiu'? O Theo está em coma?". E então teve de digerir a pior notícia de sua vida: "Não", respondeu o marido da sogra. "Ele faleceu."
Na hora do choque, Kamila não teve reação. Ficou paralisada, sem saber se aquele momento era real ou um pesadelo. Ainda anestesiada, conversou com a sogra para entender as circunstâncias da morte do filho.
A sogra contou que Theo havia acordado manhoso e que não quis comer muito ao longo do dia —um comportamento atípico, já que se alimentava bem. Ainda assim, jogou bola com o "avô". Depois, pediu para tirar um cochilo.
Minutos depois de colocar Theo para dormir, a avó sentiu que deveria ir ver o neto, e então se deparou com ele de bruços na cama. Ao chegar perto, percebeu que ele não estava respirando. Desesperada, o levou às pressas para o hospital.
Os médicos tentaram reanimar Theo por uma hora, sem sucesso. O entendimento dos profissionais é que ele tenha morrido ainda em casa, enquanto dormia. Uma autópsia foi feita para tentar identificar a causa da morte, apontada como "indeterminada".
"A partir da autópsia, entendi que ele não tinha sufocado ou algo do tipo. Me livrei da culpa. Acho que sentir culpa nesses casos é a pior coisa para uma mãe", afirma. "Não havia uma explicação. Simplesmente o coração parou de bater, como se tivesse desligado a chave geral."
'Você não supera o luto'
Em lágrimas, Kamila lembra que Theo era um bebê "iluminado" que lhe ensinou a ter um olhar diferente sobre a vida. Todos os dias, conta, o filho pegava na mão dos pais e os chamava para ver o pôr-do-sol. Também se encantava com a lua e adorava comer frutas no pé. Para ela, apreciar as coisas simples da vida é uma forma de lidar com o luto e honrar a memória do filho.
Você não supera o luto. É como se fosse uma pedra que você enfia no bolso e tem de carregar para sempre. Ao longo do tempo, essa pedra vai ficando mais leve. Não porque a tristeza diminui, mas porque você aprende a conviver com ela.
Kamila Signorelli

Explicando a morte súbita
Bebês de até um ano de idade podem sofrer uma morte súbita sem que haja qualquer razão aparente. Esse fenômeno é chamado Síndrome da Morte Súbita Infantil (SMSI), ou Síndrome da Morte Súbita do Lactente (SMSL), e acomete bebês durante o sono, explica a neurologista infantil Magda Lahorgue Nunes, professora titular de Neurologia da Escola de Medicina da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
O diagnóstico da SMSI é confirmado nos casos em que a morte permanece inexplicada após a investigação do caso, incluindo a realização de uma autópsia completa, exame da cena da morte e revisão do histórico clínico. Esses passos são importantes para excluir outras explicações para a morte súbita. Um estudo realizado em Pelotas (RS), com o objetivo de determinar causas de mortalidade durante o primeiro ano de vida, estimou que em 4% dos casos a síndrome era a provável causa do óbito.
Bebês com mais de um ano, como era o caso de Theo, também podem morrer subitamente, mas o fenômeno é mais raro, e tais mortes não podem ser consideradas casos de SMSI. No caso de bebês com mais idade, a morte deve ser tratada como uma Morte Súbita Inesperada (MSI).
Magda Lahorgue Nunes, neurologista infantil
A morte súbita inesperada (SMI) pode ser causada, por exemplo, por uma arritmia cardíaca ou alguma disfunção metabólica. Apesar disso, dificilmente qualquer uma das duas condições será apontada em uma autópsia, o que também torna a causa da morte indefinida nesses casos.
A SMSI, por outro lado, não tem causa conhecida. Segundo a neurologista Letícia Sampaio, presidente da Liga Brasileira de Epilepsia (LBE), a hipótese mais convincente envolve uma anormalidade no tronco cerebral ou atraso maturacional relacionado à neurorregulação ou controle cardiorrespiratório —combinado com um evento desencadeador, como obstrução do fluxo de ar, tabagismo materno ou infecção.
Pesquisas mostraram que há diversos fatores de risco associados à SMSI, que podem ter a ver com o próprio bebê, como prematuridade, mas também podem ser maternos ou ambientais.
Letícia Sampaio
Bebês do sexo masculino ou cujas mães têm menos de 20 anos apresentam risco maior. "Em um estudo [publicado na revista científica The Lancet em janeiro de 2004], 95% dos bebês que morreram em decorrência da síndrome apresentavam um ou mais fatores de risco adicionais e 88% tinham dois ou mais fatores de risco", acrescenta.
A posição para dormir é um ponto de atenção, segundo o pediatra Gustavo Moreira, presidente do Departamento de Medicina do Sono da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Dormir de bruços aumenta consideravelmente o risco da SMSI, em comparação com a posição lateral ou supina (de barriga para cima). Dormir de lado implica um risco intermediário, então a recomendação é que o bebê durma de barriga para cima —e no berço, não na cama dos pais.
O bebê também não deve ser colocado para dormir com muitas camadas de roupas, cobertas ou em um colchão mole. Na hora de dormir, os brinquedos também devem ser retirados do berço. Com relação aos fatores maternos, um dos principais é a exposição a drogas, em especial o tabaco, durante a gravidez ou após o parto.
A frequência da SMSI vem diminuindo com o passar dos anos na medida em que estudos foram apontando os principais fatores de risco e os pais passaram a se conscientizar sobre o assunto. Apesar disso, ainda há uma grande desigualdade no que diz respeito ao acesso à informação.
Gustavo Moreira, presidente do Departamento de Medicina do Sono da SBP
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