Ninguém no mundo era mais feliz do que eu enquanto via Gregório Duvivier
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E no meio do caminho tinha o Gregório Duvivier. Eu estava triste, cansada, com sinusite, e o taxista que tinha me levado até o Bixiga havia passado vinte minutos xingando os motoristas de São Paulo. Tentei passar um corretivo enquanto cruzava com meu antigo apartamento na rua Pamplona, mas logo percebi que agora a portaria tem grades, e fiquei comovida e com raiva, não sei em que ordem.
Sabe quando você tem certeza que aquele, obviamente, é um "dia não"? "Ok, sem dramas, acontece", pensei, enquanto comia a primeira das três balas de iogurte que trouxera daquela corrida tensa e procurava meu endereço da próxima hora e meia.
Foi quando Gregório entrou no palco. Bom, preciso dizer que antes de elaborar qualquer ideia, sorri, e o céu ficou azul, muito embora eu estivesse em um lugar tão fechado quanto minhas botas de cowboy. Algumas pessoas são, de fato, casas com varanda ou bolo com café, uma coisa que te convida a ir em frente ou, no mínimo, descansar dos BOs.
E então, vieram as palavras. "Papato", ele disse, ao se referir ao modo como sua filha fala sapato e ao amor imenso que alguns de nós sentem pela infância dos nossos filhos, que - spoiler anunciado - uma hora descobrimos que não são nossos. Pronto. Do nada, como se algo se encaixasse entre minha semana difícil e aquelas frases emocionantes, comecei a rir e a chorar ao mesmo tempo e a achar tudo bonito e perfeito, inclusive o táxi; as grades e a sinusite.
Acomodada na cadeira cinco da fileira H, no mesmo Sergio Cardoso onde fiz minha primeira grande peça na capital paulista - e diante de um sujeito vestido de Shakespeare e falando sozinho - decidi, como se vivesse em estado de madrinha de bateria, que ninguém no mundo era mais feliz do que eu.
Gregório me irrita profundamente. Primeiro porque ele é muito inteligente, mas não acredita tanto nisso, colocando seu cérebro à disposição do universo pop sem o verniz que costuma acompanhar a turma mais "cabeça". Segundo, porque ele é engraçado e é poeta, e eu sempre me acho maluca quando estamos juntos, porque nunca sei quando estou me divertindo e quando estou aprendendo. Terceiro, porque tudo isso faz com que eu morra de saudades dele, mas além de trabalhar muito e ser pai de duas meninas pequenas, meu amigo é péssimo amigo, e eu queria não sentir nenhuma falta de ouvir ele falando mal do José de Alencar ou fazendo bullying com os meus defeitos.
Durante quatro anos, fizemos, ao lado de Xico Sá - outro irmão que tenho a sorte de carregar no peito - um projeto de literatura chamado "você é o que lê". Falando de autores e de vários outros assuntos como: futebol, Instagram e mensagens de WhatsApp.
Sem nenhum roteiro ou ensaio, conhecemos boa parte do Brasil, e fomos tomados por ele. Histórias que nos unem para sempre e que me deixam morrendo de inveja do Porchat e do João Vicente, que convivem de perto com esse tricolor de quinta categoria, que ainda por cima é a pessoa mais distraída e atrasada que eu conheço.
Por ora, no entanto, vou deixar essa DR de lado, e indicar "O Céu da Língua", uma das peças mais delicadas - e impactantes - que vi nos últimos anos. Da vontade de falar português, de morar no Brasil, de visitar Portugal, de organizar passeatas pela manutenção da palavra "Papato" - e da ingenuidade das nossas crianças - e de ouvir Caetano até decorar todas as suas letras.
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