Ana Canosa

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Opinião

Finge tesão, posta amor, edita o corpo: quando foi que isso virou normal?

Existe um tipo de adoecimento moderno que raramente aparece nos diagnósticos, mas que está em toda parte: é quando a gente aceita como "normal" comportamentos que, na verdade, só nos afastam do que é saudável. A isso, a filosofia deu o nome de normose. E, quando esse fenômeno chega à vida sexual e afetiva, o estrago é silencioso — mas profundo.

Vivemos tempos em que tudo precisa ser performado: o corpo, o desejo, o amor. Existe uma ansiedade coletiva por experimentar tudo, mostrar tudo, desejar tudo — como se o único caminho possível fosse estar sempre disponível, com libido em alta, explorando novas práticas, novos aplicativos, novas fantasias.

A regra não dita, mas fortemente sugerida, é que quanto mais intensa e diversificada for sua vida sexual, mais você está "vivendo plenamente". E a normose entra justamente aí, nesse ponto em que deixamos de escutar nossos próprios limites para seguir o ritmo de uma sexualidade coreografada.

Muita gente transa sem vontade, aceita situações que não deseja, se olha no espelho buscando o corpo que os filtros impuseram como ideal. Outros mergulham em relações performáticas, onde o casal parece mais uma marca bem-sucedida nas redes sociais do que duas pessoas de carne, osso e afeto. E o mais curioso é que tudo isso está tão naturalizado que nem percebemos o quanto estamos adoecendo — do desejo, da autoestima, da intimidade.

Normalizamos a ausência de desejo como se fosse só preguiça, a hiperatividade sexual como se fosse virilidade, a desconexão emocional como se fosse "maturidade". Normalizamos o sexo sem tesão, a nudez sem confiança, o relacionamento sem verdade. E quanto mais seguimos essa cartilha invisível do "é assim mesmo", mais nos distanciamos do que deveria ser o centro da vida sexual: o prazer com sentido, o corpo habitado, o encontro de verdade.

É claro que não existe um modelo ideal. Tem quem deseje muito, quem deseje pouco, quem goste de experimentar, quem prefira o tradicional. Mas o problema não está na escolha em si — está na falta de liberdade para fazer essa escolha.

Se o seu desejo não encaixa na norma, você se questiona. Se o seu corpo não corresponde ao padrão, você se pune. Se você prefere vínculos profundos em vez de histórias instantâneas, sente-se fora do jogo. Se sofre demais em viver relações não monogâmicas, acha que é egoísta e infantil.

A normose sexual é esse adoecimento invisível que transforma imposições em costumes. E o primeiro passo para se curar dela é perceber que você não precisa seguir roteiro nenhum. Talvez a pergunta mais importante não seja "o que todo mundo está fazendo?", mas sim: "o que, de verdade, faz sentido pra mim?"

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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