'Décadas atrás, não tinha um preto': o desabafo de veterana de Dona de Mim

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Cyda Moreno, 61, está no ar atualmente como Yara, avó de Leona (Clara Moneke), em "Dona de Mim". Segundo a veterana uma família de mulheres pretas protagonizando a novela das 7, um dos principais horários da grade Globo, era algo impensável décadas atrás.
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Eu, Vilma [Melo], atrizes e atores da minha geração, somos pura resistência, porque a gente não se via. Eu falei isso no primeiro dia de preparação: basta olhar as novelas do canal Viva. Outro dia vi 'História de Amor', do Manoel Carlos, fiquei olhando a abertura e, cara, [décadas atrás] não tinha um preto. O país tem maioria da população preta e parda, mas não retrata isso nos folhetins? O Brasil era movido à novela naquela época, tinha um Ibope altíssimo, mas a gente não tinha representatividade.
Cyda Moreno, em conversa com Splash
Diversidade e inclusão
A atriz divide seu tempo também trabalhando em escolas públicas do Rio de Janeiro como professora de artes, onde ela também vê as marcas do racismo. "Vemos uma mudança considerável porque o racismo perverso se perpetua nas escolas públicas. É cruel. Você vê uma maioria de alunos negros que não querem ser negros, que não se assumem".
No caso de "Dona de Mim", a representatividade vai além dos corpos negros, com atores PCDs, por exemplo. Mesmo assim a atriz afirma que ainda há resistência por parte do público, que critica a diversidade na tela e manda um recado: "Lamento, sorry, mas a gente chegou para ficar e dar continuidade... 'Ah, agora só tem os pretos'... Eu fico vendo críticas. Estamos incomodando."
As pessoas preferem ver atores brancos fracos e ruins, como teve ao longo da história da televisão, do que o negro que está chegando. As pessoas ficam procurando os defeitos... Temos que abraçar as oportunidades e confiar nos nossos ancestrais que trilharam esse caminho. Abraçar e reverenciar os que lutaram nos movimentos negros da década de 1980, que lutaram para as cotas nas universidades. As cotas abriram espaço para o pensamento. Faz toda diferença.
Cyda Moreno

O Censo Demográfico de 2022 do IBGE revelou que a população negra — pessoas pretas e pardas — representa 55,5% do total da população brasileira. Cerca de 92,1 milhões de pessoas se declararam pardas, o equivalente a 45,3% da população do país. Desde 1991, esse contingente não superava a população branca, que chegou a 88,2 milhões (43,5%). 20,6 milhões se declararam pretas (10,2%), enquanto 1,7 milhões são indígenas (0,8%) e 850,1 mil são amarelas (0,4%).
Na trama das sete, a atriz é avó de Leona e Stephany (Nikolly Fernandes), tendo criado as duas após a morte dos pais delas. Costureira aposentada da fábrica Boaz, mal consegue pagar as contas com o que ganha. Improvisa uma creche na sala de casa, atendendo as mulheres do bairro que não têm com quem deixar seus filhos. Superativa e boêmia, ela adora sair para curtir a Feira de São Cristóvão.
A gente se aquilombou, temos nossas companhias de teatro, produzimos filmes. Trilhamos outros caminhos que reverberam nos convites para televisão... O avô de Carolina Maria de Jesus, no início do século 20, que era considerado um filósofo africano apesar de ser analfabeto, mas falava que se fosse dada ao negro a oportunidade de estudar, esse negro ganharia esse país.
Cyda Moreno

A trajetória de Cyda Morena
Natural de Sabará, em Minas Gerais, Cyda Moreno é atriz, produtora cultural e professora de artes. É formada em artes cênicas e, atualmente, é doutoranda em história do teatro negro pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Desde 1983, Cyda atua regularmente no teatro. Ela foi uma das fundadoras da Cia. Black & Preto Produções Artísticas, formada exclusivamente por atores negros, em 1993. Ao longo de sua carreira, trabalhou com renomados diretores, como Antunes Filho, Ulysses Cruz e Édio Nunes. Entre seus projetos mais recentes, destacam-se os espetáculos "Eu Amarelo - Carolina de Jesus" (2018-2023) e "Luiza Mahin... Eu Ainda Continuo Aqui" (2021-2023), ambos dirigidos por Édio Nunes.
Na TV, integrou o elenco de "A Padroeira" (2001) e "Amor Perfeito" (2023). No cinema, Cyda participou de filmes como "As Filhas do Vento" (2004), "Amor & Cia" (1998), "Quem Vai Ficar com Mário" (2021) e "Expresso Parador" (2022).
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