Chico Barney

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Opinião

O outro lado da TV: fui jurado no 1º Troféu Imprensa sem Silvio Santos

No âmago do Centro de Televisão da Anhanguera, o SBT sempre conduziu uma cerimônia majestosa e singular. Como um eclipse midiático, o tempo congelava. Jornalistas reunidos como sacerdotes de uma religião esquecida —uma irmandade secreta onde a imparcialidade é sugerida, e o voto, irrevogável. Silvio Santos, artífice televisivo, conduzia o ritual com a serenidade de quem já tinha visto tudo e não se impressionava com mais nada.

No palco, muitos rostos amplamente conhecidos surgiam com frequência. Não como repetições banais de um passado carregado de história, mas como entidades eternas, mitos televisivos que desafiam a erosão do tempo. No Troféu Imprensa, o Brasil não apenas premia: ele invoca. Um ciclo sagrado onde a fama não morre, apenas reencena seu destino. A TV não esquece. A TV repete. A TV consagra —como uma sacerdotisa diante do altar da cultura popular.

E mesmo o tempo, com sua fome de novidade, se curva diante desse ritual. O Troféu Imprensa retorna ao SBT neste domingo, agora renascido sob a forma de um microfone inspirado naquele que Silvio Santos ostentava no peito, perto do coração. Mais do que uma peça, é um artefato litúrgico. Um relicário que carrega o espírito de uma era e anuncia, com brilho cerimonial, que tudo muda -para que o essencial permaneça.

No Troféu Imprensa, a televisão brasileira contempla a si mesma com a lucidez de quem sabe que tudo um dia vai virar reprise. Mas enquanto houver palco, haverá retorno. E enquanto houver retorno, haverá júri, haverá debate, haverá espetáculo. No fim, restará a pergunta que nos condena e nos liberta: "Quem você acha que merecia ganhar?"

Chico Barney foi um dos jurados do Troféu Imprensa, do SBT
Chico Barney foi um dos jurados do Troféu Imprensa, do SBT Imagem: Rogerio Pallatta/SBT

E diante dessa questão primordial, como sempre, vacilaremos. Porque a televisão, como a própria vida, não premia necessariamente os melhores. Premia os que continuam aparecendo. Porque diante do caos e da entropia, a única coisa que resta ao ser humano é apontar, votar? ou aplaudir.

Percebo que existem acontecimentos na vida que não pertencem apenas ao presente. Eles existem em camadas de tempo sobrepostas, como se a memória e a realidade decidissem se dar as mãos por um instante. Estrear no júri do Troféu Imprensa foi exatamente isso: não um convite —mas uma convocação cósmica.

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Justamente no primeiro ano sem Silvio Santos no palco. O silêncio da sua ausência ecoava entre os refletores. Mas não havia vazio. Havia legado. Havia ritual. Havia continuidade.

Patrícia Abravanel e Celso Portiolli conduziram o programa como arqueólogos emocionais e curadores sentimentais de um templo televisivo recém-redescoberto. O Troféu Imprensa volta ao ar após um hiato —como se o Brasil, por fim, estivesse pronto novamente para encarar sua própria imagem no espelho fosco daquilo que um dia batizamos como cultura de massa.

E ali estava eu. Na bancada onde, em outros tempos, sentaram-se profetas da mídia e palpiteiros iluminados. A mesma bancada sonhada por Plácido Manaia Nunes —patrono do juízo de valor cultural brasileiro. Ao meu lado, colegas que também carregavam memórias e credenciais.

Mas dentro de mim, era apenas o menino que fui outrora, sentado no sofá de casa com minha mãe e minha avó. Elas aplaudiam. Elas discordavam. Elas vibravam. E agora, de algum ponto da eternidade, talvez elas também estivessem me vendo ali.

O Troféu Imprensa não é apenas uma cerimônia. É um rito de passagem que se repete não como um loop, mas como uma espiral que nos arrasta gentilmente de volta à origem. E estar ali, naquele estúdio, foi entender que a televisão brasileira é mais do que entretenimento. É fé. É mitologia. É um país tentando lembrar quem é —ou quem, um dia, sonhou ser.

O programa será exibido às 19h deste domingo no SBT.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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