Parque da Mônica dos anos 1990 ainda tem lugar na memória dos millennials
Um grande quintal para as crianças que vivem em meio a prédios e asfalto brincarem. Essa era a ideia de Maurício de Souza quando pensou no primeiro Parque da Mônica, o do Shopping Eldorado, que funcionou de 1993 a 2010.
Quem foi pelo menos uma vez ao espaço provavelmente se lembra dos brinquedões, do Cinema 3D ou da Casa do Louco. Afinal, eram cerca de 10 mil m² distribuídos em três pisos —aos olhos de uma criança, uma verdadeira cidade.
O lugar mexe com a nostalgia de quem cresceu entre os anos 1990 e 2000. "Desde pequena, acho que era o passeio que eu mais era obcecada de fazer com a minha família", avalia a designer Luísa Guarnieri, 26.
Ela é criadora do Acervo de Lugares Inexistentes, um perfil colaborativo no Instagram que é dedicado reunir a fotos de espaços que não existem mais pelo Brasil. Tem de tudo: shoppings, restaurantes, livrarias. O campeão, sem dúvidas, é o Parque da Mônica.
Por meio de um formulário, qualquer pessoa pode dividir suas memórias. Apenas do parque paulistano, Luísa já recebeu mais de 400 fotos. "Duzentas foram apenas de uma seguidora", destaca. A criadora do acervo acredita que isso acontece porque as fotos do parque despertam um sentimento mágico nos antigos frequentadores, por ter sido muito lúdico.
O jeito que você entrava, pelo escorregador de rolinhos colorido, já parecia que você estava saindo do mundo real e indo para outro lugar. Você ia na cidade dos carrinhos e ganhava uma carteira de motorista, ia no banco e ganhava um talão de cheque. Tinha essa energia de parecer um 'outro mundo' adaptado para crianças. Luísa Guarnieri
"Você lembra não só do lugar, mas do cheiro, do som, de como era encostar nas paredes de tijolo de espuma. Por ser muito sensorial, fica gravado na memória", completa ela. O parque também existiu nos gibis, dando a ideia de que saiu diretamente das páginas para o mundo real.
A criação do parque
O projeto do espaço foi assinado pelos arquitetos Maria Cecília Barbieri Gorski e Michel Todel Gorski e partiu de uma ideia da RTS Empreendimentos e Participações. Inicialmente, era para o parque ocupar a Casa das Caldeiras ou uma área próxima ao Sambódromo, mas não deu certo.
Até que veio a proposta de construir no Shopping Eldorado, que passava por um processo de modernização. Todo o trabalho durou cerca de quatro anos, até a inauguração, e foi feito em conjunto com uma equipe da Maurício de Sousa Produções, liderada por Alice Takeda.
"O que mais importava para o Maurício é que tivesse muitas áreas interativas", lembra Maria Cecília, sócia do Barbieri + Gorski. "Tudo o que a gente transformava em 3D vinha dos desenhos do Maurício. Nosso papel era interpretar e ver como a gente podia executar."
A equipe trabalhou com vários bonequeiros para compor os personagens nos mínimos detalhes e proporções corretas. "Naquela época, a gente estava começando a trabalhar no computador, muita coisa foi feita à mão", complementa a arquiteta.
Os criadores viajaram para os Estados Unidos, foram em convenções e em outros parques para entender o funcionamento e a dinâmica das filas, por exemplo. "Você tinha que pensar no fluxo, que é importante para não gerar filas intermináveis. O Maurício falava que não era só um parque temático, era um parque matemático também", completa ela. Eram muitos profissionais envolvidos: arquitetos, engenheiros, equipe elétrica, hidráulica, de automação, segurança.
O resultado foi um espaço acessível, que possibilitava o acesso de pessoas em cadeiras de rodas, e interativo. "Tudo o que as crianças interagiam tinha algum efeito, como a bicicleta que você pedalava e levantava um balão", diz Maria Cecília. Ela destaca também as parcerias, como a com o Banco Nacional, que possibilitou o talão de cheques infantil que alimentava o imaginário das crianças.
A arquiteta ainda confirma que o escorregador de rolinhos realmente era grande, e não apenas uma impressão das crianças. A altura dele era de, aproximadamente, 4,5 metros. "Ele era meio que a alma do lugar, todo mundo queria entrar naquele escorregador. Foi tudo feito sob medida e era um desejo da equipe: ter o maior escorregador possível."
De pais para filhos
Desde 2015 existe um novo Parque da Mônica, no Shopping SP Market. Mas, para quem frequentou o antigo, não é a mesma coisa. "Fui com a minha filha há uns anos e foi decepcionante, fila de 40 minutos. Uma experiência completamente diferente do que quando eu era criança", pondera a pedagoga Giulia Ciavatta, 35.
Giulia frequentava o espaço do Eldorado junto do irmão, Gian, que chegou a ganhar uma promoção em 2003 que deu livre acesso ao espaço para os dois durante um ano. Para ela, uma das melhores partes era não ter fila. "Era muito raro, porque ia sempre muita gente de uma vez. Era muito livre, feito para criança mesmo."
Das atrações, ela gostava dos brinquedões, que se resumiam a circuitos de desafios para os pequenos e que os adultos também podiam brincar. "Tinha escorregador, piscina de bolinha, lugar para passar por cima, passar por baixo, escalar, labirintos, coisas penduradas."
Do Cinema 3D, ela se lembra de uma propaganda de refrigerante em que os espectadores eram molhados na plateia. "A latinha abria e você sentia a água espirrar na sua cara. A gente achava isso demais", diz Giulia.
A ceramista Nicole Horiye, 38, também criou lembranças com a filha envolvendo o Parque da Mônica. Isso porque, além de frequentar o espaço, ela teve a oportunidade de levar Sofia na unidade do Eldorado em 2009, antes de fechar.
Ela, com quase três aninhos, pôde aproveitar ainda mais os novos brinquedos. Foi muito legal ver e entender, até certo ponto, o que ela estava sentindo ali. Nicole Horiye
Da sua época de frequentadora, Nicole lembra que tudo tinha uma tecnologia avançada para a época. Foi lá, por exemplo, que ela viu um fax funcionando pela primeira vez.
Ela gostava tanto do ambiente que ele foi o escolhido para ela celebrar o aniversário de nove anos. "Os brinquedões eram insuperáveis. Hoje em dia o brincar ficou muito passivo. A possibilidade de subir, escalar, entrar, passar e se equilibrar era muito estimulante."
Lembranças felizes
Para o publicitário Omar Assaf, 41, as visitas ao Parque da Mônica não eram frequentes. Pelo contrário, ele se lembra de apenas duas vezes. Ele morava em Santos, onde nasceu, e ia ao parque quando visitava os avós nas férias.
Sua principal recordação é de estar pedalando em uma bicicleta estática e assistir a um jogo de vôlei na televisão.
Acho que era a final da Liga Mundial de Vôlei de 1993, que estava sendo em São Paulo. Não vi o jogo, mas no final eu fiquei parado ali, acompanhando. Lembro muito do ponto final, o pessoal comemorando e fazendo festa ali. Era um título importante. Omar Assaf
A produtora de eventos Isabella Lopes, 25, foi ao parque pela primeira vez com um ano. Dali em diante, a visita se tornou rotina: pelo menos uma vez por mês ela estava no Parque da Mônica. "Aprendi a mexer no Excel com 7 anos para poder fazer roteiros dos meus dias lá."
Chorei muito quando foi anunciado o encerramento do parque, foi como se estivessem demolindo minha casa. Coloquei como meta levar minha melhor amiga, Lorena, para conhecer, porque ela era de Salvador. E consegui! Isabella Lopes
"Eu e meus pais abrimos mão de vários outros passeios pela minha paixão pela Turminha. Meu primeiro crush da vida foi o Cascão, não muito depois mudei para o Franjinha", lembra ela, que teve a oportunidade de encontrar com Maurício de Sousa algumas vezes.
Fechamento do parque
Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2013, Maurício de Souza afirmou que os parques temáticos do grupo "sempre operaram no azul" e que o empreendimento se pagava. Mas a dívida acumulada ao comprar o espaço, nos idos dos anos 1990, não. As coisas desandaram quando a Globo, que apoiava o projeto, saiu do negócio.
Um parque vive de renovação. Era preciso importar brinquedos, a taxas e juros proibitivos. É difícil convencer investidores quando a conta não fecha, quando há outras coisas que rendem mais. O shopping que abrigava o parque também já não nos queria. Maurício de Sousa à Folha de S.Paulo, em 2013
A dívida ficou em mais de R$ 40 milhões e o deixou em risco de inadimplência. O novo parque, que inaugurou em 2015, é uma parceria entre o Grupo São Joaquim, que administra o Shopping SP Market, e a Maurício de Sousa Produções.
Por mais que não seja idêntico ao anterior, o parque atual ainda atrai os fãs antigos. Hoje, mesmo sendo adulta e não tendo filhos, Isabella vai à unidade do SP Market uma vez ao mês. "Continua sendo meu lugar favorito no mundo, minhas memórias mais preciosas são de lá."