'I love macaxeira': João Pessoa vive 'boom' turístico e atrai estrangeiros
"I love macaxeira", dizia o músico sueco Carl Hultstein, 24, enquanto espetava uma dessas iguarias, bem sequinha, com um palito de dente. E o amigo, o também sueco Edvin Lindvall, 26, dava um remelexo feliz quando um carro de som passava pela orla da praia, tocando um piseiro.
A cervejinha ainda nem tinha chegado ao quiosque de frente para o mar e a dupla ria da possibilidade de chamar o garçom com a informalidade de um "ei, moço", esticando os braços longos. Na Suécia, esse comportamento seria impensável.
Mas eles estão em João Pessoa, capital da Paraíba.
Os suecos já haviam passado por lá, em um intercâmbio. E quiseram voltar para reencontrar o calor de João Pessoa — não exatamente o dos 30ºC na sombra, mas o humano.
Edvin elogiava a possibilidade de ouvir a boa música brasileira em toda parte — com uma diferença: na capital da Paraíba, se sente acolhido, como em uma cidade do interior, e deixa de ser "só um gringo".
'Descobriram João Pessoa'
Turistas estrangeiros que chegam à capital paraibana não são a maioria, mas a cidade tem entrado na rota do interesse internacional e quer atrair mais gente de fora.
João Pessoa figura em uma lista global da plataforma Booking.com de destinos tendência para 2025, o que indica que houve aumento anual de reservas de acomodação na cidade.
No meio do caminho entre Recife e Natal —duas capitais com turismo consolidado há décadas —, João Pessoa tem ganhado visitantes que já não estão mais só "encaixando" a capital paraibana nos planos.
Pelas ruas da cidade, cada um tem uma teoria para o "boom":
"Foi a ex-BBB Juliette, paraibana, que alavancou o turismo", dizem alguns moradores. "É porque a cidade é muito linda", resumem os mais bairristas. Ou "aqui não tem tubarão", dizem outros, em uma leve alfinetada aos recifenses.
E tem também quem não quer saber de motivo: só curtir as vantagens.
A garçonete Eliane Xavier, do quiosque Pé na Areia, na praia urbana de Tambaú, calcula que sua comissão dobrou em relação a 2020, quando as coisas começaram a melhorar para o turismo.
Descobriram João Pessoa. Eu quero é mais, ela diz, com um sorriso.
Os turistas elogiam a estrutura da orla na cidade e a beleza das praias nos arredores. Coqueirinho, que fica em Conde, a 35 km de João Pessoa, é a preferida da dupla sueca.
Na praia, emoldurada pelas árvores, um casal de Mato Grosso do Sul — onde só os rios fazem a festa — curtia não apenas a água quentinha do mar: "A receptividade é muito boa e os preços são bem acessíveis. É bem mais barato do que a gente está acostumada", diz a fotógrafa Melina Moraes, 33.
Os preços são uma atração à parte na região, mas já foram mais convidativos. A água de coco (este item de primeira necessidade) sai a R$ 5 na orla de Tambaú e já custou R$ 3. O preço do quilo do camarão no alho e óleo ainda emociona: R$ 49,99.
Atraídos a João Pessoa pelos relatos de amigos, o casal João Leon e Monique, de Curitiba, não quer muito mais gente por lá quando voltar.
"Se você falar bem demais da cidade, vem mais gente e o preço sobe", dizia a dona de casa e artesã Monique de Almeida, 60, que planejava alugar um Airbnb para ficar mais tempo em uma segunda chance.
Eles passaram uma semana na região e já tinham se surpreendido com o clássico pôr do sol ao som do Bolero de Ravel, na vizinha Cabedelo, com o encontro do rio e o mar na Praia Bela, no litoral sul, e, claro, com Coqueirinho.
Curtiam o fim da viagem na famosa Tambaba, a uma hora de João Pessoa, onde apenas o simbólico coqueiro era solitário: a praia na parte não naturista estava cheia — e nem era alta temporada.
'Hoje temos congestionamento'
O sentimento de "será que não está chegando gente demais?" também é compartilhado por parte dos moradores. É que, junto com o turista, alguns problemas que não existiam, como o trânsito, também começam a desembarcar.
"Antes, se alguém falasse que se atrasou por causa do trânsito, eu cairia na risada. Chegava-se a qualquer lugar em 5 minutos. Hoje, temos congestionamento", diz a professora Adriana Brambilla, coordenadora do Grupo de Cultura e Estudos em Turismo, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
A pesquisadora acredita que a pandemia impulsionou a vinda de gente de outros estados — para morar e trabalhar de home office. E isso acabou trazendo mais turistas também. E mais empreendimentos. "Um bairro que era deserto hoje tem muitas construções."
Para Adriana, além de boas praias na cidade e arredores, João Pessoa, uma das cidades mais antigas do Brasil, também guarda um centro histórico "riquíssimo". Por lá, a principal atração é o Centro Cultural São Francisco, que tem origem no século 16 e conta a história do barroco.
O pôr do sol no icônico Hotel Globo, construído em 1929 na capital paraibana, é ponto de parada de turistas e moradores. E, próximo a João Pessoa, em Lucena, ainda é possível visitar as ruínas da igreja de Bonsucesso, de 1789, misturadas à copa de uma imensa gameleira.
Com tanto interesse pela cidade e vizinhança, a administração pública vai precisar garantir que o turismo "seja bom para a população", diz Adriana.
[O planejamento do turismo] precisa se basear na qualidade de vida da população, no meio ambiente. Tem a questão da poluição das praias, que já vinha acontecendo, mas é agravada pelo turismo. Tudo isso tem de ser bem trabalhado, para evitar a 'turismofobia', quando as pessoas da cidade não querem receber mais turistas.
Adriana Brambilla, pesquisadora da UFPB
E vem mais gente
A perspectiva de atrair ainda mais visitantes está nas conversas pela cidade: por lá todo mundo já ouviu falar do Polo Turístico de Cabo Branco. O projeto destina 21 lotes para a construção de empreendimentos luxuosos em uma área ainda selvagem entre o mar do litoral sul e a Mata Atlântica.
Na região, estão previstos resorts, um parque aquático que pretende ser um dos maiores do país e até uma roda-gigante panorâmica de 80 metros.
A secretária do Turismo e Desenvolvimento Econômico da Paraíba, Rosália Borges Lucas, diz que a chegada de novos investimentos privados no setor hoteleiro, como resorts de alto padrão em Cabo Branco "fortalece a capacidade de receber turistas internacionais".
O governo da Paraíba calcula que serão gerados 19 mil empregos diretos com o polo turístico e defende o projeto como "inovador", com "inclusão comunitária e sustentabilidade ambiental".
Mas a proposta também é vista com preocupação. "É um projeto em pleno 2025 baseado no turismo de massa, que está em desuso", diz Pedro Henrique Cesar, professor de turismo e hospitalidade com doutorado pela Universidade Federal de Campina Grande.
"Pegamos um exemplo que deu errado e vamos transformar aqui também. É o que Natal, Fortaleza e Recife vêm desenvolvendo desde a década 1980", completa Cesar, que cita o abandono de hotéis na capital potiguar.
A expectativa é que os empreendimentos entreguem 14 mil novos leitos à cidade até o fim de 2026 (hoje são cerca de 12 mil), diz o secretário de Turismo de João Pessoa, Vitor Hugo Castelliano. No último verão, a ocupação hoteleira chegou a 98%, segundo ele. "E a Prefeitura se prepara para receber um número dobrado [de turistas] no ano que vem."
A cidade "corre contra o tempo" para acolher bem quem chegar. Uma das questões, o trânsito, deve ser aliviada com a conclusão de obras na BR 230, afirma Castelliano. Outro ponto é capacitar a população para atender em outros idiomas, algo que ainda não é comum na cidade.
"Não ouvi muito inglês aqui", diz a norte-americana Sandra Soriano, 54, que passeou por uma semana na região. Ela viu estrela do mar e aprendeu a falar, enchendo a boca, o nome da comida de que mais gostou: "farofa" — tudo com a ajuda da tradução de amigos brasileiros.
A prefeitura planeja abrir turmas de capacitação bilíngue e treinar motoristas de aplicativo.
Mas, enquanto a fluência em inglês não vem, os comerciantes não se intimidam. Em Tambaú, a mímica resolve quando chega um cliente estrangeiro para comprar no carrinho de Eduardo Pereira, do divertido "Big churros: grande, grosso e gostoso".
E no letreiro da cidade —com um solzão entre "João" e "Pessoa", para lembrar que a capital tem um dos amanheceres mais bonito do Brasi l— um "how much" pra lá e um "ten dollars" pra cá fazem bom negócio com turistas de fora interessados em uma foto profissional no cartão postal.
A hospitalidade, por sorte, ainda é um idioma universal.
Aqui, me sinto como se estivesse em casa, diz Edvin.
*A jornalista viajou a convite da Booking.com