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'I love macaxeira': João Pessoa vive 'boom' turístico e atrai estrangeiros

Praia de Tambaú, em João Pessoa; cidade vive 'boom' turístico Imagem: Getty Images

De Nossa, em João Pessoa*

03/06/2025 05h30

"I love macaxeira", dizia o músico sueco Carl Hultstein, 24, enquanto espetava uma dessas iguarias, bem sequinha, com um palito de dente. E o amigo, o também sueco Edvin Lindvall, 26, dava um remelexo feliz quando um carro de som passava pela orla da praia, tocando um piseiro.

A cervejinha ainda nem tinha chegado ao quiosque de frente para o mar e a dupla ria da possibilidade de chamar o garçom com a informalidade de um "ei, moço", esticando os braços longos. Na Suécia, esse comportamento seria impensável.

Mas eles estão em João Pessoa, capital da Paraíba.

Carl e Edvin elogiam a hospitalidade do povo de João Pessoa Imagem: Júlia Marques/UOL

Os suecos já haviam passado por lá, em um intercâmbio. E quiseram voltar para reencontrar o calor de João Pessoa — não exatamente o dos 30ºC na sombra, mas o humano.

Edvin elogiava a possibilidade de ouvir a boa música brasileira em toda parte — com uma diferença: na capital da Paraíba, se sente acolhido, como em uma cidade do interior, e deixa de ser "só um gringo".

'Descobriram João Pessoa'

Turistas estrangeiros que chegam à capital paraibana não são a maioria, mas a cidade tem entrado na rota do interesse internacional e quer atrair mais gente de fora.

João Pessoa figura em uma lista global da plataforma Booking.com de destinos tendência para 2025, o que indica que houve aumento anual de reservas de acomodação na cidade.

A charmosa Coqueirinho, emoldurada pelas árvores, é uma das preferidas da região Imagem: Júlia Marques/UOL

No meio do caminho entre Recife e Natal —duas capitais com turismo consolidado há décadas —, João Pessoa tem ganhado visitantes que já não estão mais só "encaixando" a capital paraibana nos planos.

Pelas ruas da cidade, cada um tem uma teoria para o "boom":

"Foi a ex-BBB Juliette, paraibana, que alavancou o turismo", dizem alguns moradores. "É porque a cidade é muito linda", resumem os mais bairristas. Ou "aqui não tem tubarão", dizem outros, em uma leve alfinetada aos recifenses.

E tem também quem não quer saber de motivo: só curtir as vantagens.

A garçonete Eliane Xavier, do quiosque Pé na Areia, na praia urbana de Tambaú, calcula que sua comissão dobrou em relação a 2020, quando as coisas começaram a melhorar para o turismo.

Descobriram João Pessoa. Eu quero é mais, ela diz, com um sorriso.

Eliane viu seus lucros cresceram com a chegada de mais turistas Imagem: Júlia Marques/UOL

Os turistas elogiam a estrutura da orla na cidade e a beleza das praias nos arredores. Coqueirinho, que fica em Conde, a 35 km de João Pessoa, é a preferida da dupla sueca.

Na praia, emoldurada pelas árvores, um casal de Mato Grosso do Sul — onde só os rios fazem a festa — curtia não apenas a água quentinha do mar: "A receptividade é muito boa e os preços são bem acessíveis. É bem mais barato do que a gente está acostumada", diz a fotógrafa Melina Moraes, 33.

Melina e Raquel, de Mato Grosso do Sul, elogiavam a água quentinha e a receptividade do povo Imagem: Júlia Marques/UOL

Os preços são uma atração à parte na região, mas já foram mais convidativos. A água de coco (este item de primeira necessidade) sai a R$ 5 na orla de Tambaú e já custou R$ 3. O preço do quilo do camarão no alho e óleo ainda emociona: R$ 49,99.

Atraídos a João Pessoa pelos relatos de amigos, o casal João Leon e Monique, de Curitiba, não quer muito mais gente por lá quando voltar.

"Se você falar bem demais da cidade, vem mais gente e o preço sobe", dizia a dona de casa e artesã Monique de Almeida, 60, que planejava alugar um Airbnb para ficar mais tempo em uma segunda chance.

João e Monique curtiam fim da viagem em Tambaba Imagem: Júlia Marques/UOL

Eles passaram uma semana na região e já tinham se surpreendido com o clássico pôr do sol ao som do Bolero de Ravel, na vizinha Cabedelo, com o encontro do rio e o mar na Praia Bela, no litoral sul, e, claro, com Coqueirinho.

Curtiam o fim da viagem na famosa Tambaba, a uma hora de João Pessoa, onde apenas o simbólico coqueiro era solitário: a praia na parte não naturista estava cheia — e nem era alta temporada.

Coqueiro solitário é um símbolo de Tambaba Imagem: Júlia Marques/UOL

'Hoje temos congestionamento'

Centro Cultural São Francisco é um passeio para quem não quer só praia Imagem: Júlia Marques/UOL

O sentimento de "será que não está chegando gente demais?" também é compartilhado por parte dos moradores. É que, junto com o turista, alguns problemas que não existiam, como o trânsito, também começam a desembarcar.

"Antes, se alguém falasse que se atrasou por causa do trânsito, eu cairia na risada. Chegava-se a qualquer lugar em 5 minutos. Hoje, temos congestionamento", diz a professora Adriana Brambilla, coordenadora do Grupo de Cultura e Estudos em Turismo, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

A pesquisadora acredita que a pandemia impulsionou a vinda de gente de outros estados — para morar e trabalhar de home office. E isso acabou trazendo mais turistas também. E mais empreendimentos. "Um bairro que era deserto hoje tem muitas construções."

Para Adriana, além de boas praias na cidade e arredores, João Pessoa, uma das cidades mais antigas do Brasil, também guarda um centro histórico "riquíssimo". Por lá, a principal atração é o Centro Cultural São Francisco, que tem origem no século 16 e conta a história do barroco.

O pôr do sol no icônico Hotel Globo, construído em 1929 na capital paraibana, é ponto de parada de turistas e moradores. E, próximo a João Pessoa, em Lucena, ainda é possível visitar as ruínas da igreja de Bonsucesso, de 1789, misturadas à copa de uma imensa gameleira.

Ruínas de Bonsucesso, em Lucena, são abraçadas por gameleira gigante Imagem: Júlia Marques/UOL

Com tanto interesse pela cidade e vizinhança, a administração pública vai precisar garantir que o turismo "seja bom para a população", diz Adriana.

[O planejamento do turismo] precisa se basear na qualidade de vida da população, no meio ambiente. Tem a questão da poluição das praias, que já vinha acontecendo, mas é agravada pelo turismo. Tudo isso tem de ser bem trabalhado, para evitar a 'turismofobia', quando as pessoas da cidade não querem receber mais turistas.
Adriana Brambilla, pesquisadora da UFPB

E vem mais gente

Polo Turístico de Cabo Branco vai reunir empreendimentos de luxo Imagem: Cinep PB/Divulgação

A perspectiva de atrair ainda mais visitantes está nas conversas pela cidade: por lá todo mundo já ouviu falar do Polo Turístico de Cabo Branco. O projeto destina 21 lotes para a construção de empreendimentos luxuosos em uma área ainda selvagem entre o mar do litoral sul e a Mata Atlântica.

Na região, estão previstos resorts, um parque aquático que pretende ser um dos maiores do país e até uma roda-gigante panorâmica de 80 metros.

Letreiro da cidade tem fila para fotos Imagem: Júlia Marques/UOL

A secretária do Turismo e Desenvolvimento Econômico da Paraíba, Rosália Borges Lucas, diz que a chegada de novos investimentos privados no setor hoteleiro, como resorts de alto padrão em Cabo Branco "fortalece a capacidade de receber turistas internacionais".

O governo da Paraíba calcula que serão gerados 19 mil empregos diretos com o polo turístico e defende o projeto como "inovador", com "inclusão comunitária e sustentabilidade ambiental".

Mas a proposta também é vista com preocupação. "É um projeto em pleno 2025 baseado no turismo de massa, que está em desuso", diz Pedro Henrique Cesar, professor de turismo e hospitalidade com doutorado pela Universidade Federal de Campina Grande.

"Pegamos um exemplo que deu errado e vamos transformar aqui também. É o que Natal, Fortaleza e Recife vêm desenvolvendo desde a década 1980", completa Cesar, que cita o abandono de hotéis na capital potiguar.

A expectativa é que os empreendimentos entreguem 14 mil novos leitos à cidade até o fim de 2026 (hoje são cerca de 12 mil), diz o secretário de Turismo de João Pessoa, Vitor Hugo Castelliano. No último verão, a ocupação hoteleira chegou a 98%, segundo ele. "E a Prefeitura se prepara para receber um número dobrado [de turistas] no ano que vem."

Sandra elogia a cidade, mas precisou de ajuda para se comunicar Imagem: Júlia Marques/UOL

A cidade "corre contra o tempo" para acolher bem quem chegar. Uma das questões, o trânsito, deve ser aliviada com a conclusão de obras na BR 230, afirma Castelliano. Outro ponto é capacitar a população para atender em outros idiomas, algo que ainda não é comum na cidade.

"Não ouvi muito inglês aqui", diz a norte-americana Sandra Soriano, 54, que passeou por uma semana na região. Ela viu estrela do mar e aprendeu a falar, enchendo a boca, o nome da comida de que mais gostou: "farofa" — tudo com a ajuda da tradução de amigos brasileiros.

A prefeitura planeja abrir turmas de capacitação bilíngue e treinar motoristas de aplicativo.

Mas, enquanto a fluência em inglês não vem, os comerciantes não se intimidam. Em Tambaú, a mímica resolve quando chega um cliente estrangeiro para comprar no carrinho de Eduardo Pereira, do divertido "Big churros: grande, grosso e gostoso".

Eduardo se vira para atender os visitantes internacionais Imagem: Júlia Marques/UOL

E no letreiro da cidade —com um solzão entre "João" e "Pessoa", para lembrar que a capital tem um dos amanheceres mais bonito do Brasi l— um "how much" pra lá e um "ten dollars" pra cá fazem bom negócio com turistas de fora interessados em uma foto profissional no cartão postal.

A hospitalidade, por sorte, ainda é um idioma universal.

Aqui, me sinto como se estivesse em casa, diz Edvin.

*A jornalista viajou a convite da Booking.com

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