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OPINIÃO

Sanduíches do Katz's e do Mercadão de SP: mitos inflados de carne e fama

Sanduíche de pastrami do Katz's, em Nova York: paguei caro, comi muito... e não volto nunca mais Imagem: Reprodução Instagram

Colunista de Nossa

25/06/2025 05h30

Você pagaria 38 dólares (cerca de R$ 210), por um sanduíche de pastrami — constituído simplesmente por duas fatias de pão de forma (de centeio), uma passada de mostarda e lascas de carne (um monte, é verdade)?

A pergunta estava num post que vi recentemente numa rede digital, referindo-se ao preço cobrado na Katz's Delicatessen de Nova York pelo sanduíche considerado um dos melhores do mundo. Será que vale?

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Eu já peguei. Na verdade, menos — o tal post, como é habitual nas redes, traz informação errada (o preço). Mesmo assim, custando em torno de 30 dólares (tipo R$ 165), é caro.

A Katz's Deli é histórica (fundada em 1888, eles dizem) mas é um lugar simples, sem garçom, e o próprio sanduíche é também simples, embora a carne tenha preparo trabalhoso. Eu paguei. Eu tinha que conhecer. Mas não preciso repetir.

Katz's: filas constantes para comer o 'melhor sanduíche de pastrami de Nova York' Imagem: Reprodução Instagram

Como na maioria das delis de Nova York, o pão me parece meio seco, e o pastrami, menos suculento do que eu gostaria (embora na Katz's não seja ressecado com em outros lugares).

É caro para um sanduíche, mesmo com a quantidade gigantesca de carne servida. E na verdade, isto me incomoda: que sanduíche é este, em que o pão desaparece, tamanho é o recheio?

Não é uma queixa nova da minha parte. Escrevi em 2006, na Folha de S.Paulo, uma matéria, que terminou tendo grande repercussão (fui até entrevistado na rádio e TV por causa dela) sobre o que chamei de "mitos" da gastronomia paulistana. Eram vários, entre eles o sanduíche de mortadela e o pastel de bacalhau do Mercadão. (Doze anos depois meu colega Marcos Nogueira retomou o tema na Folha, mas chamando-os de "micos".)

Tradicional sanduíche de mortadela do Bar do Mané Imagem: Instagram/bardomane

O problema comum ao sanduíche e ao pastel é o excesso de recheios. Ambos merecem equilíbrio entre seus componentes, dando o merecido papel também para o pão ou para a massa de pastel.

Na boa: um simples pão francês de padaria não pode ser uma maravilha (bem melhor que o seco pão de centeio da Katz's, por exemplo)? O do sanduíche do Mercadão, que eu me lembre, costumava ser gostoso e de casca crocante, mas só se você conseguisse senti-lo sob a avalanche de mortadela.

O excesso no sanduíche americano, que não é uma característica generalizada em São Paulo, parece não ser uma exceção nos hábitos novaiorquinos. No Brasil não comemos às toneladas; lá sim.

O sanduíche do Mercadão tem inclusive uma bela história que me foi contada pelo dono do seu templo, o Bar do Mané: teria sido moldado nestas proporções pantagruélicas porque era ofertado aos carregadores que entregavam as mercadorias no mercado na madrugada — tinham por isto a tonelagem de uma refeição para trabalhadores braçais. Se não for verdade, é bem sacado.

Bar do Mané: recheio farto era para alimentar bem os trabalhadores do Mercadão Imagem: Divulgação

Já nos Estados Unidos, a prática de comer pratos gigantescos não parece ter nascido para saciar fomes laborais. Parece um hábito incorporado numa sociedade de excessos de consumo em todos os níveis.

Certa vez fui a Nova York passar uma semana com minha filha ainda adolescente. Fiz reservas em bons restaurantes (que não faltam na cidade) para toda a temporada. Apenas um dia ficou livre para passearmos sem destino, e na fome do almoço entramos no primeiro lugar bonitinho que encontramos.

Bonitinho mas ordinário. Era a porta do inferno gastronômico. Ela pediu um sanduíche de atum. Veio uma torre com duas fatiazinhas de pão nas extremidades, entremeadas por um palmo de um cimento acinzentado — e batatas fritas desabando prato e mesa afora. Eu pedi um franguinho com legumes — veio um bicho gigantesco com a pele mole e legumes mortiços, tudo insosso.

Pra dar gosto aos vegetais, pedi azeite de oliva. O garçom não entendeu — ou não acreditou. Depois trouxe um copinho de plástico (destes de cachaça em quermesse) com um fundinho de azeite ruim. Muito pouco para a tonelada de legumes molengas no prato.

Olhamos em volta. De um lado, uma moça sozinha, visivelmente obesa, pedira apenas uma saladinha — e chegou um balde gigante, com mais bacon que alface. Do outro lado, duas francesas tão abismadas como nós com suas porções tamanho família (e olha que franceses comem muito, mas não tudo no mesmo prato: a refeição vem aos poucos, desfrutada passo a passo).

Sanduíche (exagerado) do Katz's Imagem: Reprodução Instagram

Quantidades exageradas são um paradigma de acumulação que não deveria valer nem para o dinheiro, muito menos para a comida.

No passado remoto da humanidade foi importante comer muito quando se encontrava alimento, e não se sabia se haveria caça amanhã. A cultura e a civilização deveriam dar conta deste gap histórico.

Achar que sanduíches, porções ou pratos gigantescos são um sinal de qualidade é um erro que a Katz's e o Mercadão (e seus públicos) já poderiam ter superado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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Josimar Melo

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