Eduardo Carvalho

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Opinião

Um papa que conectava o mundo

O anúncio da partida do papa Francisco ecoa profundamente, em especial, para quem acompanhou sua trajetória de proximidade com os marginalizados e sua voz firme contra as injustiças sociais e ambientais.

Antes de ascender ao papado, Jorge Mario Bergoglio construiu seu sacerdócio junto à população das favelas de Buenos Aires. Sua presença constante nas comunidades vulneráveis, como na favela 21-24, onde celebrava missas e visitava enfermos, demonstrava sua identificação com os mais necessitados. Entrevistadas pela repórter do UOL Amanda Cotrim, as moradoras Tamara Noga e Flor Florinda validam essa visão do papa Francisco como um homem simples.

Talvez tenha sido essa a moldura que o fazia criticar a estrutura social de desigualdade. Enquanto papa, sua encíclica Laudato Si', carta aberta à sociedade, representou um marco ao conectar a crise ecológica com as questões sociais e econômicas, cunhando o conceito de "ecologia integral".

Ali, rezava pela primeira vez no Vaticano pelo meio ambiente, um ato corajoso para colocar o assunto em pauta. Com a reunião do Sínodo da Amazônia, Francisco reforçou essa visão, trazendo para o centro do debate a realidade das populações originárias e a ligação entre degradação ambiental e injustiça social, permeadas também pela questão racial.

A figura de Francisco tocou de forma singular muita gente como eu, que nasci na Rocinha. Suas palavras refletiam minha própria realidade, meus posicionamentos. Era como se, pela primeira vez, encontrasse um amigo e pudesse conversar sobre o mundo a partir da laje. Mas não qualquer amigo, e, sim, um papa, latino-americano, com linguagem acessível, que tornava compreensíveis temas complexos, ecoando as vozes dos esquecidos. Vozes como as dos meus vizinhos.

A forma "extremamente radical de amar as pessoas" marcou o pontificado de Francisco, como observou o padre Arnaldo Rodrigues, assessor de imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Seja em audiências privadas ou em grandes eventos, ele demonstrou uma genuína preocupação com o próximo, convidando toda a humanidade a um encontro também radical com o outro. E isso não era milagre, era o mínimo.

A partida de Francisco deixa lacunas: a de um líder religioso que viveu a fé na proximidade com os mais necessitados, alertando e conectando o mundo sobre a urgência de um futuro mais justo e sustentável. E a lacuna de Jorge Bergoglio, uma voz que, ainda na Argentina, ecoava as realidades das periferias e a necessidade de cuidar da nossa casa comum - a Terra.

Perco também o amigo com quem muitas vezes tive a esperança de me encontrar pessoalmente, enquanto adolescente forjado em grupos dentro da Igreja, desde a sua vinda na Jornada Mundial da Juventude. Não foi possível. Mas seus ensinamentos seguirão.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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