Picape voadora: quem deve pagar o prejuízo de Ranger que decolou em dunas
Eduardo Passos
Colaboração para o UOL
23/05/2025 05h30
A Ford Ranger Raptor que alçou voo nas dunas do Ceará teve perda total, mas é muito improvável que sua eventual seguradora irá desembolsar os quase R$ 500 mil do veículo.
Caberá ao empresário Valécio Granjeiro, dono da Raptor — comprada zero-km por R$ 490.000 — o prejuízo, devido ao "agravamento intencional do risco". Assim é o termo comumente usado na Justiça para definir um comportamento que, claramente, aumenta os riscos de dano ao veículo muito além do normal.
Essa imprudência viola o Código Civil, que, no artigo 768, diz: "o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato".
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Segundo Adilson Pereira, especialista em direito civil, não é necessário que a atitude "tenha o objetivo de fraudar o recebimento de uma indenização" da seguradora, mas sim que seja adotado um comportamento que, sabidamente, altera "o risco normal" da situação.
Alguns dos comportamentos que o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo como agravantes incluem:
dirigir embriagado
ter rebaixado o veículo
haver um motorista menor de idade
usar o veículo em assaltos.
Além disso, o STJ já entendeu, por exemplo, que um motorista gaúcho não tinha direito à indenização após seu Mitsubishi Pajero ter sido roubado em um posto de gasolina de Vacaria (RS). O homem deixou o carro aberto e com a chave na ignição enquanto ia ao banheiro, permitindo que ladrões levassem-no.
O veículo foi encontrado algumas horas depois, capotado. A seguradora foi condenada a pagar o seguro, descontados R$ 45 mil obtidos com a venda do veículo danificado, mas recorreu.
A defesa do motorista até argumentou que era comum outros motoristas deixarem o carro aberto, mas o fato de o incidente ter ocorrido de madrugada fez o ministro Paulo de Tarso julgar que o risco foi muito maior do que precisava ser.
"Essa conduta voluntária do segurado ultrapassa os limites da culpa grave", disse.
Danos irreversíveis
Segundo uma das pessoas envolvidas no resgate da Ford Range Raptor, o veículo chegou a cerca de 10 metros de altura durante o salto, tendo pousado a quase 90 metros de distância.
Com o impacto, os pneus furaram, os airbags foram acionados e houve grave dano estrutural ao veículo, que for removido das dunas por outra picape. O socorro foi dificultado pelo travamento das quatro rodas da Raptor, que estava com a marcha engatada e tração nas quatro rodas no momento do acidente.
Segundo o engenheiro automotivo Renato Passos, a força do impacto empenou o chassi da picape, como reforçado nas imagens. "Do modo em que os carros são feitos hoje em dia, fica difícil reverter o chassi e recuperar suas características originais", explica o especialista em manutenção automotiva.
Além disso, é praticamente certo que os amortecedores tenham sido destruídos e que o conjunto de suspensão tenha sofrido outros danos que tornem-no inutilizável.
Outro ponto que encarece uma eventual recuperação do carro é a substituição dos airbags. "Além disso, o fato de o reboque ter sido realizado com as rodas da picape travadas também é indicativo de danos à transmissão automática", completa.