Quando usar exame de sangue que pode ajudar a detectar sinais de Alzheimer?

Biomarcadores são substâncias detectadas no organismo que ajudam a identificar uma doença. No caso do Alzheimer, eles mostram a presença de proteínas que se acumulam no cérebro muito antes dos primeiros sinais clínicos da doença, como a clássica perda de memória. Esses exames podem ser feitos por imagem, por análise do líquido da espinha ou, mais recentemente, por um simples teste de sangue.

Detectar o Alzheimer antes mesmo dos primeiros sintomas parece um avanço promissor, mas especialistas alertam: os chamados biomarcadores ainda devem ser usados com critério.

"O que os biomarcadores fazem é mostrar a presença de duas proteínas associadas ao Alzheimer: a amiloide e a tau. Elas se acumulam no cérebro e causam a degeneração das células nervosas", explicou Tharick Pascoal, neurologista e professor na Universidade de Pittsburgh (EUA), e pesquisa biomarcadores da doença de Alzheimer usando PET e análises fluídicas, em conversa com jornalistas no Congresso Brain, que aconteceu em Fortaleza de 18 a 21 de junho.

Essas proteínas podem ser detectadas de três formas: por meio de um exame de imagem cerebral (PET scan), de uma punção lombar que coleta o líquor (líquido da espinha) ou de um simples exame de sangue.

A questão é: quando vale a pena fazer esse tipo de teste?

Segundo Pascoal, o uso de biomarcadores deve ser considerado principalmente em dois cenários:

Quando o resultado pode mudar o tratamento ou o prognóstico do paciente.

Quando traz informações importantes para a família, como o ritmo de progressão da doença ou o risco hereditário.

"O exame precisa ter uma função clínica real. Fazer por curiosidade, em quem não tem sintomas, pode ser perigoso", afirma. Ele lembra que, nos Estados Unidos, já houve casos de pessoas que se desesperaram ao receber um resultado positivo e até cometeram suicídio, mesmo sem ter a doença de fato. "O biomarcador não é um oráculo. Ele detecta sinais da doença, mas não indica quando, ou mesmo se, ela vai se manifestar."

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Ilustração de neurônio (em azul) com placa amiloide, sinal da doença de Alzheimer
Ilustração de neurônio (em azul) com placa amiloide, sinal da doença de Alzheimer Imagem: Getty Images

O neurologista Norberto Anízio Ferreira Frota, professor da Universidade de Fortaleza e diretor científico da ABRAz-CE (Associação Brasileira de Alzheimer - regional Ceará), compartilha a mesma preocupação. "Com a chegada do exame de sangue, que é mais fácil de fazer, tem crescido a demanda por parte de pessoas sem sintomas, apenas por ansiedade ou medo. Mas esse não é um exame para rastreamento populacional", ressalta.

Além do risco de falso positivo, há outro fator importante: os tratamentos disponíveis hoje ainda são limitados.

Atualmente, há dois tratamentos aprovados pela FDA (órgão regulador dos EUA) para o Alzheimer: os medicamentos lecanemabe e donanemabe, que atuam sobre a placa amiloide e demonstraram atrasar um pouco o declínio cognitivo, embora não curem a doença. No caso do donanemabe, os ganhos são modestos: cerca de seis meses de desaceleração na progressão da doença, e não estão livres de efeitos colaterais.

"Essas drogas podem causar inchaços ou sangramentos cerebrais, exigem infusões a cada duas semanas e custam cerca de US$ 100 mil por ano nos EUA", diz Pascoal. No Brasil, os pacientes só conseguem por meio de importação. "Por isso, é essencial que a decisão de fazer o teste e iniciar o tratamento seja tomada junto com o paciente e a família, com muita transparência."

Apesar dos desafios, os especialistas são unânimes em afirmar que os biomarcadores representam um avanço significativo. "A medicina de precisão deve crescer, com exames cada vez mais específicos que indicam a melhor terapia para cada pessoa", aponta Pascoal.

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Mas até lá, o mais importante é equilibrar expectativa e realidade. "Ainda não há cura para o Alzheimer. Nenhum paciente se curou até hoje. O que temos são passos importantes. Mas precisamos ser honestos e responsáveis na forma como divulgamos essas informações", reforça Frota.

Exame no SUS?

Um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados prevê a inclusão do exame de sangue PrecivityAD no SUS.

O teste é um dos que detecta biomarcadores do Alzheimer, o que pode facilitar o diagnóstico precoce da doença, especialmente em regiões remotas ou com menos acesso a exames de imagem. Na rede privada, o exame custa quase R$ 4.000, e não é coberto pelos planos de saúde.

Segundo o deputado Clodoaldo Magalhães (PV-PE), autor da proposta, a ideia é ampliar o acesso e reduzir a desigualdade no diagnóstico. Para virar lei, o projeto ainda precisa passar pelas comissões da Câmara e do Senado.

*A jornalista viajou a convite do Brain.

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