Palpitações e falta de ar: por que álcool é gatilho para crises de pânico?

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Ataques de pânico são episódios súbitos e intensos de medo ou desconforto extremo que geralmente surgem sem aviso. Muitos gatilhos podem fazer com que uma crise surja, variando de pessoa para pessoa, mas além de geralmente ser causada por situações de estresse intenso, locais fechados ou com muitas pessoas, o álcool também pode desencadeá-la.
Embora muitas pessoas bebam para relaxar ou se sentir mais à vontade socialmente, especialistas alertam que o álcool pode ter o efeito oposto no organismo, sobretudo nas horas ou dias seguintes ao consumo. "O álcool é um inibidor do sistema nervoso central, o que pode funcionar como uma ação inicial à redução da ansiedade. No entanto, conforme o efeito passa, ele tende a trazer uma ansiedade maior do que a pessoa se encontrava antes", diz Henrique Bottura, psiquiatra presidente do IPP (Instituto de Psiquiatria Paulista).
Segundo Bottura, isso pode ser mais comum entre pessoas que já têm ansiedade, já que o álcool pode gerar efeitos no corpo, como batimentos cardíacos mais rápidos, que ativam uma sensação de hipervigilância, sintoma comum dentro do transtorno de ansiedade. "É comum que pessoas com transtorno de ansiedade desenvolvam hipervigilância aos sinais do corpo, interpretando sensações físicas normais (como batimentos acelerados ou tontura) como ameaças, o que pode desencadear um ciclo de medo e culminar no ataque de pânico", diz o médico.
O poder do álcool sobre a química cerebral
O álcool é uma substância que afeta o sistema nervoso central. Por isso, o abuso dessa substância pode alterar profundamente o funcionamento cerebral, afetando estruturas, neurotransmissores e hormônios essenciais para o equilíbrio emocional.
"O álcool altera neurotransmissores como GABA, serotonina e dopamina, e isso pode desencadear ataques de pânico no dia seguinte", fala Yuri Busin, psicólogo, mestre e doutor em neurociência do comportamento. Veja como os neurotransmissores são afetados pelo álcool:
GABA (ácido gama-aminobutírico): é um neurotransmissor que "acalma o cérebro". Com o uso frequente do álcool, o cérebro reduz a produção do GABA, o que leva a mais ansiedade e estresse após o efeito passar.
Serotonina e dopamina: o álcool interfere na liberação desses neurotransmissores ligados ao bem-estar. No início, há um aumento artificial, mas o uso contínuo leva a uma queda na produção natural, favorecendo sintomas de depressão e pânico.
Glutamato: é o principal neurotransmissor excitador. O álcool inibe sua atividade temporariamente, mas, após a interrupção do consumo, há um efeito rebote, levando à hiperatividade, agitação e ansiedade, gatilhos de ataques de pânico.
O álcool também influencia a liberação de cortisol e adrenalina, dois hormônios diretamente ligados à resposta de luta ou fuga. Em pessoas que usam álcool com frequência, os níveis de cortisol podem ficar cronicamente alterados, deixando o corpo em estado constante de alerta — o que predispõe a episódios de ansiedade aguda e pânico.
Além disso, estudos de imagem cerebral já encontraram anormalidades no funcionamento da amígdala, estrutura envolvida no processamento do medo e da ansiedade, em indivíduos com transtorno por uso de álcool. Isso pode tornar o cérebro mais reativo a ameaças e menos capaz de regular respostas emocionais.

Sintomas clássicos e relação com o consumo de álcool
Um ataque de pânico é uma onda súbita e intensa de medo ou desconforto que atinge o pico em poucos minutos, causando sintomas físicos e mentais. Alguns sinais clássicos de um ataque de pânico incluem:
Palpitações ou coração acelerado;
Falta de ar ou sensação de sufocamento;
Tontura ou sensação de desmaio;
Suor excessivo;
Tremores;
Dor ou desconforto no peito;
Sensação de formigamento ou dormência;
Medo intenso de perder o controle, enlouquecer ou morrer;
Sensação de irrealidade (despersonalização/desrealização).
"Após o consumo de álcool, é comum sentir ansiedade, e muitas vezes é difícil distinguir se ela é apenas uma ressaca emocional ou se está ligada diretamente aos efeitos físicos da bebida no corpo", diz Bottura. "O álcool pode causar sintomas físicos que se confundem com ansiedade, como taquicardia, boca seca e desidratação. Muitas vezes, o que ocorre é uma combinação dos dois: efeitos físicos e emocionais sobrepostos."
Isso quer dizer que tremores, sudorese, batimentos cardíacos acelerados e náusea podem se misturar com os sintomas típicos da ressaca, confundindo a pessoa e levando a uma hipervigilância. Assim, como o cérebro está tentando se reequilibrar, pode haver sensação de perda total de controle, despersonalização e medo, o que gera um ataque de pânico.
Existe dose segura?
Usar o álcool como fuga emocional pode criar uma armadilha. Muita gente bebe para "acalmar a mente" e, de fato, no começo pode parecer que ajuda. Mas essa falsa sensação de alívio dura pouco e, no dia seguinte, o que vem é o efeito rebote.
Por isso, os especialistas concordam: não existe uma dose segura de álcool, principalmente para quem já tem histórico de ansiedade. "Mesmo pequenas quantidades podem desencadear desconfortos emocionais em quem tem um sistema emocional sensível ou já sobrecarregado", destaca a psicóloga Lizandra Arita.
O tratamento pode envolver tanto o controle da ansiedade quanto a moderação ou a suspensão do uso de bebidas alcoólicas. Em alguns casos, também pode ser necessário o uso de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos, sempre sob supervisão médica.
Além disso, recomenda-se adotar mudanças no estilo de vida que favoreçam o equilíbrio emocional e físico, como manter uma boa rotina de sono, praticar exercícios físicos e se alimentar bem.
Em muitos casos, considerar a abstinência pode ser o caminho mais seguro, principalmente se a pessoa experimenta com frequência ansiedade ou tem ataques de pânico após consumir bebidas alcoólicas.
Fontes: Henrique Bottura, psiquiatra presidente do IPP (Instituto de Psiquiatria Paulista); Lizandra Arita, graduada em psicologia pela Universidade Bandeirante de São Paulo e em engenharia pela FEI, é também psicóloga institucional e clínica, atua hoje na Clínica Mantelli; Yuri Busin, psicólogo, mestre e doutor em neurociência do comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduado em psicologia positiva pela PUC-RS e pós-graduado em terapia cognitivo-comportamental também pela PUC-RS, fundador do Grupo Yuri Busin e do Método PRO.
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