Brasileiros buscam IA para fazer terapia: 'Melhor coisa que me aconteceu'

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Uma busca na internet e você encontra o relato de centenas de pessoas satisfeitas com seus "terapeutas de IA". Eles oferecem apoio emocional, se lembram de interações anteriores e dão respostas empáticas de graça. Mas, segundo especialistas, a IA está apenas bajulando você.
O que aconteceu
Jovens estão usando a redes sociais para ensinarem como fazer a terapia via inteligência artificial. Eles ensinam como programar a IA para agir "como um terapeuta clínico especializado" em tratar problemas como depressão ou ansiedade, usando uma abordagem específica. Alguns dizem que apelidaram sua IA e que se emocionaram com os conselhos.
A maioria diz que sentiu alívio ou uma sensação de bem-estar. Especialistas, porém, alertam para o perigo da prática. "Algumas pessoas podem relatar uma melhora por conversar com uma inteligência artificial, assim como elas relatariam uma melhora por se encontrar com um amigo, escutar uma música agradável ou ler um livro que aborda o tema que ela está vivenciando", afirmou ao UOL o psicólogo Bruno Farias, que estuda os impactos da IA na psicologia.
Uma sensação de bem-estar é muito bem-vinda, mas ela definitivamente não é o objetivo de um tratamento. Metaforicamente falando, se uma pessoa quebra um braço, ela vai se sentir melhor se eu oferecer um forte analgésico, mas não é esse o tratamento que ela precisa.
Bruno Farias
Nas redes, usuários elencam motivos para desabafar com uma IA. A mais procurada é o ChatGPT. Eles dizem não se sentir julgados pela máquina, como seriam por um amigo, e que ela está disponível 24 horas por dia. Muitos também falam que não tem dinheiro para pagar por uma sessão de terapia.
Especialista diz que IAs se adaptam para dizer o que usuário quer ouvir. "Quase todos os sistemas de inteligência artificial têm mecanismos de memória e a partir disso conseguem dar respostas mais personalizadas e alinhadas com a necessidade da pessoa", explicou Diogo Cortiz, pesquisador em tecnologia e professor da PUC-SP. "Muitas vezes é quase que bajular para manter a pessoa naquela interação. Em último caso, [podemos falar em] manipulação".
A IA conversacional consegue entender muito bem o que a gente está pedindo e vai na direção do que gostaríamos de ouvir, mas é muito temerário que possa ser usado como um terapeuta porque é uma máquina probabilística que foi treinada para dar respostas. Ela não conhece os anseios e os conflitos de cada pessoa.
Diogo Cortiz
Estudante contou ao UOL que usou o ChatGPT quando não conseguiu marcar uma sessão de terapia que fosse rápida. "Procurei a IA para pedir um conselho. Ela falou para não se importar tanto, para eu me distrair com outras coisas e não ficar pensando o tempo todo naquele problema", disse. "Eu já sabia o que tinha que fazer, mas foi bem-vindo ler aquelas palavras", afirmou João Pedro Fernandez, 19.
Pesquisa da Universidade de Harvard mostra que principal uso de IAs é para fazer terapia ou ter companhia, inclusive romântica. Até o ano passado, a categoria "fazer terapia ou companhia" aparecia em segundo lugar no relatório Casos de Usos da IA, atrás de "gerar ideias". "Quando as pessoas veem outras pessoas fazendo uso eficaz, produtivo e vantajoso de uma tecnologia, elas seguem o exemplo", afirmou o pesquisador Marc Zao-Sanders ao divulgar o relatório de 2025.
Psicólogo alerta que IA não deve ser usada como terapeuta. "A inteligência artificial comete a complacência extrema, ou seja, tende a concordar com tudo o que você escrever, não importa o quão problemático seja", afirmou Bruno Farias. "Mesmo que você use prompts para pedir que o ChatGPT se comporte como um terapeuta durão e que dê broncas para te encaminhar na direção correta, na verdade, ele estará usando todo um mecanismo para te agradar".
Farias diz que a terapia por IA é o novo "horóscopo de revista". "Tinham pessoas que se convenciam de alguma coisa com textos genéricos. Era tão sério que alguns chegavam a desenvolver sintomas, como ansiedade e medos injustificados, porque o que eles leram no horóscopo fez muito sentido. Hoje a plataforma mudou, mas o comportamento é o mesmo".
Nas redes, muitos usuários contam que choraram após a "sessão". Uma escreveu que usar a IA para fazer terapia foi a "melhor coisa que aconteceu".

Especialistas são unânimes em dizer que, neste caso, a IA não é capaz de substituir o humano. Farias explica que o processo terapêutico vai além de aplicar técnicas e aconselhar. "Se faz necessário um olhar e ouvido humano. Mais importante do que o que o paciente está contando é a maneira: como o corpo dele se comunica, o tom de voz, a velocidade da fala, a emoção associada a algumas palavras. Esses detalhes devem ser analisados e são o carro-chefe de uma terapia. Nenhuma IA consegue fazer isso até o presente momento".
O desafio é entender em que momento a IA pode ser útil no processo terapêutico. Hoje, o que temos é humano projetando uma relação com a máquina, mas ela não está nem aí.
Diogo Cortiz
Há ainda o risco de privacidade porque maioria das IAs permite a coleta de dados. Cortiz explica que as empresas podem usar os dados de interação para treinar as próximas gerações de IA. "Muita gente não lê os termos de uso. Algumas ferramentas de IA, principalmente a IA de companhia, preveem que os dados de conversa podem ser vendidos para outras plataformas".
Pesquisas tentam entender se IA funciona para terapia
Pesquisadores da Dartmouth College desenvolveram um chatbot de terapia com IA, chamado Therabot. Os resultados mostram melhora de 51% nos sintomas de pessoas depressivas e 31% no caso de pessoas com ansiedade leve ou moderada. O ensaio clínico acompanhou 106 pessoas que usaram o Therabot por quatro semanas e 104 pessoas do grupo de controle, que tinham as mesmas condições de saúde mental, mas sem acesso ao Therabot. O progresso de cada pessoa foi monitorado por questionários padronizados.
Participantes começaram a tratar software "quase como um amigo", diz um dos autores do estudo. O professor Nicholas Jacobson também diz que a pesquisa mostrou aumento nas interações com o Therabot no meio da noite. "Minha impressão é que as pessoas se sentiram mais confortáveis".
Pesquisadores dizem que a terapia e a terapia por IA podem funcionar juntas no futuro. "Não há profissionais suficientes para todos. As melhorias nos sintomas que observamos foram comparáveis ao que é relatado pela terapia tradicional". Nos EUA, a média é de um terapeuta a cada 1600 pacientes com depressão ou ansiedade.
Para psicólogo brasileiro, pesquisa foi feita sem rigor científico. "Na verdade, a ciência vem estudando as inteligências artificiais e percebendo algo muito perigoso: que as IAs, principalmente o ChatGPT, cometem muitos erros e passam informações equivocadas. Quando falamos sobre saúde, uma informação errada pode custar muito caro", diz Bruno Farias.
No Brasil, pesquisadores estudaram os apps de saúde mental e concluíram que os resultados são limitados. Uma pesquisa do Medialab da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) analisou 10 aplicativos gratuitos de autocuidado, que se apoiam na cultura de "faça você mesmo", e descobriu que todos oferecem respostas parecidas e genéricas: técnicas de relaxamento guiado, controle de respiração, rebaixamento da consciência, indução ao sono e mindfulness, automonitoramento pela escrita de diários e anotações de comportamentos. Após seis meses, o nível de vinculação do usuário caía vertiginosamente.
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