Tudo é interativo quando usamos o cérebro: notas sobre a Bienal do Livro

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A promessa: a Bienal do Rio seria transformada num book park, um parque de diversões inspirado nos livros. Sim, roda-gigante (singela), labirinto (menos labirintoso do que os caminhos entre os pavilhões), escape room e biblioteca fantástica (bem bonita) estão pelo Riocentro.
Dialogam com obras de autores como Agatha Christie, Raphael Montes e Lewis Carroll. São, no entanto, um leve tempero, não grandes destaques. Podem até passar batidos pelos visitantes do evento que começou na última sexta e vai até o próximo domingo, dia 22.
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Bienais são, cada vez mais, pensadas para os jovens. Young adults, romances açucarados e ficções de cura enchem as prateleiras e dão cara para muitos estandes, especialmente de grandes editoras. A preocupação com espaços que possam render vídeos e fotinhos para as redes sociais é cada vez maior. Em alguns expositores, esse negócio de livro parece ser mero detalhe. Leitura, então...
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Uma frase de Ruy Castro, escritor homenageado desta edição, dita na abertura da Bienal: é preciso "respeitar o leitor, admirar o leitor, beijar a mão do leitor".
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Interatividade.
Essa é a palavra que tem imperado. Outro dia, pela rede social, uma garota se queixava de uma exposição em São Paulo que, poxa, não tinha quase nada de interativo.
Arte num museu não é interativa se não render posts e likes? Bobagem. Tudo é interativo quando sabemos usar direitinho o cérebro.
Aproveitar o que está na moda para atrair e encantar o público é válido, mas é pouco. A Bienal ou qualquer outro evento deve ser parte de uma engrenagem muito maior e mais complexa que busque formar novos leitores e aprimorar a qualidade de leitura de quem já lê.
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Entreouvido num estande cheio de livros ótimos: "ih, aqui são livros de literatura mesmo". O tom era de desprezo.
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Vendas são fundamentais para empresas seguirem de pé. Não custa lembrar: por mais que muita gente veja o mercado editorial com romantismo, editoras são negócios que precisam ter planilhas saudáveis para tocar o trabalho.
Em que pese esse ponto crucial, é uma pena perceber como algumas casas parecem largar mão de certa literatura mais inventiva, menos comercial, para investir quase que exclusivamente naquilo que vai trazer retorno em pouco tempo, independente da qualidade literária.
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Arquipélago, Âyiné, Bazar do Tempo, Carambaia, Cobogó, Dublinense, Ercolano, Fósforo, Ímã Editorial, Lote 42, Mórula, Mundaréu, Nós, Oficina Raquel, Relicário, Seiva, Solisluna, Tabla, Tinta-da-China e Ubu. O estande Compiladas, que reúne essas 20 editoras, tem a maior quantidade de boa literatura por metro quadrado da Bienal.
O Artistis Alley é o melhor lugar para conhecer quadrinistas independentes. São dois espaços do Pavilhão 4 merecem a atenção de quem for ao evento.
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Há quem reclame do predomínio de livros para jovens na Bienal. A cara do evento é mesmo juvenil, mas essa literatura está longe de ser a única que se encontra por lá.
A diversidade editorial é muito maior em bienais do que em festas mais literárias. É mais fácil encontrar uma Irene Solà ou um papo com Alberto Mussa na Bienal do que, sei lá, Kim Ho-yeon ou uma discussão sobre romantasia numa Flip.
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Algumas belezas: o balcão de boteco da Record com cervejas rotuladas em alusões a livros. O túnel do tempo da Rocco. A capivaraça e o tatuzão-bola da Planeta. O túnel grafitado com personagens de Ziraldo. A colagem de Mauricio de Sousa acarinhando Bidu.
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No sábado, dia de ingressos esgotados, a Bienal ficou abarrotada durante parte considerável do dia. Não custa lembrar: evite finais de semana caso não esteja disposto a enfrentar filas longuíssimas para entrar em estandes e ser levado por correntezas humanas enquanto tenta transitar pelos corredores.
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