Onde Miami tem mais cor
Como o bairro de Wynwood superou a decadência e a criminalidade e virou o epicentro da arte de rua no mundo
Por Eduardo Burckhardt, de Miami, Flórida
Como o bairro de Wynwood superou a decadência e a criminalidade e virou o epicentro da arte de rua no mundo
Por Eduardo Burckhardt, de Miami, Flórida
Os olhos não conseguem processar tudo o que passa em nossa frente. Estamos numa espécie de carrinho de golfe percorrendo Wynwood, o bairro de Miami que virou sinônimo de arte de rua. A profusão de cores explode dos grafites que tomam cada centímetro de paredes, muros e fachadas.
Só assim, motorizado no passeio da Wynwood Buggies, para percorrer por completo as cerca de 20 quadras que delimitam um dos lugares mais cool do planeta. Nas ruas, gente descolada, artistas e turistas complementam a cena. É estranho pensar que há uns 30 anos eles teriam muito medo de andar por aqui.
Durante décadas, Wynwood foi considerado um território hostil dominado por gangues e violência. Mas é preciso voltar no tempo para entender todas as metamorfoses que o bairro passou.
Um começo industrial
No início do século 20, Wynwood era uma região de armazéns e fábricas. Entre ruas poeirentas e galpões, os trabalhadores moldavam o futuro de Miami. Com o tempo, famílias porto-riquenhas ocuparam o bairro, infundindo vida e ritmo em suas ruas de concreto.
O coração porto-riquenho
Nos anos 1950, Wynwood tornou-se a Pequeña San Juan, numa alusão à capital de Porto Rico. Músicas vibravam das casas e lojas, e a cultura latina florescia, apesar da pobreza. Era um lugar onde se compartilhava comida, fé e histórias em espanhol.
A sombra do abandono
Nos anos 1970, com o fechamento de fábricas, muitos partiram. As ruas ficaram desertas, os edifícios ruíram. Por décadas, o bairro viu o declínio. Onde antes havia vida, restavam paredes pichadas e o silêncio. Abriu-se espaço para ação de gangues e Wynwood virou território não quisto.
Uma visão de mudança
Tony Goldman (este senhor homenageado em um grafite com chapéu de cowboy) enxergou beleza no caos. Nos anos 2000, o visionário empresário viu potencial nas fachadas degradadas de Wynwood. Sonhou com um bairro renascido pela arte, um espaço onde o cinza daria lugar ao colorido.
A explosão das cores
Em 2009, nasceu Wynwood Walls. As paredes antes esquecidas ganharam vida pelas mãos de artistas como Shepard Fairey (mais conhecido como Obey, autor daquele famoso retrato de Barack Obama em azul, branco e vermelho, pôster que marcou a campanha presidencial norte-americana em 2008) e os brasileiros Kobra e Os Gêmeos. Murais gigantes e vibrantes transformaram o bairro.
Aquele bairro industrial, decadente, virou um 'playground' para os melhores grafiteiros de todos os cantos do planeta. Agora somos a maior galeria a céu aberto do mundo"
Danny Antelo, artista de rua e guia de turismo
Um ímã de criatividade
A arte atraiu não só turistas, mas também sonhadores. A região tornou-se um polo cultural, repleto de estúdios, galerias e cafés. A Art Basel, evento global de arte, consolidou o bairro como epicentro criativo. É o momento em que o mundo todo olha para Wynwood.
A nova gastronomia
Enquanto os olhos se voltavam para os murais, os paladares descobriam Wynwood. Restaurantes inovadores, food trucks e cervejarias artesanais fizeram do bairro um destino para além da arte. O sabor se misturava às cores.
Cerveja centenária
Descobrimos alguns destes sabores na La Tropical, uma parada providencial em nosso tour pelo bairro. A cervejaria foi, por sete décadas, a mais popular de Cuba. Porém, a Revolução Cubana obrigou a família a fugir para Miami. A tradição foi esquecida até que os tataranetos do criador resgataram a receita original lá de 1888 e reativaram a La Tropical.
Gaste um bom tempo no enorme balcão da La Tropical provando as cervejas artesanais (minha sugestão é a Nativo Key, uma IPA suave com toques tropicais) e petiscos cubanos (prove o hommus de frijoles) enquanto observa, pelas paredes de vidro, a produção da cervejaria em plena ação.
Um museu vivo
Bem reabastecidos, voltamos à rota. Nosso guia Danny Antelo, que também é artista de rua, tem uma visão interessante sobre as paredes de Wynwood. Para ele, elas representam o presente sendo escrito com spray, numa constante reinvenção.
Cada mural que vemos aqui conta uma nova história. Reflete as lutas, os sonhos e os fatos do momento"
Danny Antelo, artista de rua e guia de turismo
O boom tecnológico
Nos últimos anos, Wynwood tem experimentado um notável desenvolvimento tecnológico, transformando-se em um hub vibrante para startups e empresas inovadoras. Empresas de tecnologia, focadas em áreas como inteligência artificial, soluções climáticas e empreendedorismo digital, começaram a se estabelecer no bairro, atraídas pela atmosfera inspiradora.
Resistência cultural
Apesar das mudanças e de flertes com a gentrificação, Wynwood ainda se esforça para pulsar com suas raízes. Projetos comunitários e culturais tentam proteger a essência do bairro, mantendo-o como um espaço de inclusão e expressão autêntica.
Wynwood de hoje
Ao final do nosso passeio, a sensação é a de que o bairro é mesmo uma celebração da resiliência. A região que renasceu das sombras abraça o passado e o futuro na forma de um mosaico vivo, onde cada cor e rosto conta um pedaço da história de Miami e de sua gente.
Reportagem: Eduardo Burckhardt
Fotografias: Eduardo Burckhardt, Brian Lundquist/Unsplash, George Pagan/Unsplash, Visit Florida e Getty Images