OPINIÃO
Surfe: WSL ouviu a elite, mas ignora quem quer chegar lá; é hora de mudar
Guilherme Dorini
Colaboração para o UOL
03/06/2025 05h30
A WSL finalmente entendeu que o formato do Circuito Mundial (CT) precisava mudar. A partir de 2026, a elite do surfe volta a ser decidida por pontos corridos, com a etapa final em Pipeline — uma demanda antiga dos atletas. Foi um acerto importante.
Mas se a entidade resolveu escutar quem realmente vive o surfe de dentro d'água, por que não seguir esse caminho e repensar também as divisões de acesso?
Desde a pandemia, o sistema de classificação para o CT foi completamente remodelado. O que antes era um Qualifying Series (QS) global, mais direto e com certa liberdade de planejamento, virou um funil: QS regionais que classificam para o Challenger Series (CS). E no CS são distribuídas as vagas para o Mundial.
A justificativa era a economia — competir dentro da própria região seria mais barato. Mas isso não se aplica à realidade de muitos atletas, especialmente os sul-americanos. Viajar dentro da América do Sul, ou mesmo apenas pelo Brasil, não é exatamente barato. A premiação dos eventos regionais costuma ser baixa e uma eliminação precoce representa prejuízo imediato.
E mesmo quem consegue as vagas para o CS pelo ranking sul-americano só ganha um "bilhete de entrada" para uma maratona de eventos globais — com etapas na África do Sul, EUA, Europa, Brasil e Austrália. Agora, com a atualização mais recente, também no Havaí e mais uma parada na Austrália - já que a WSL decidiu por repetir uma etapa na divisão de acesso.
Além da questão técnica por trás do último anúncio, há também o fator financeiro. Com a inclusão de Pipeline (Havaí) e mais uma etapa australiana, o custo total para os atletas aumentou ainda mais. Viagens longas e caras exigem planejamento e investimento. E quando o retorno financeiro não acompanha esse aumento — o que é o caso do Challenger —, o sistema se torna inviável.
Outro problema é a desigualdade na distribuição de vagas. Em 2025, o Brasil foi responsável por cerca de um terço da elite masculina do surfe mundial, mas isso não se reflete na divisão de oportunidades. A América do Sul — que representa todos os países do continente — tem apenas 8 vagas, o mesmo número que a Austrália, que é um único país. Fica também atrás da América do Norte, que conta com 8 vagas, mas é amplamente dominada por surfistas dos Estados Unidos. E quase empata com o Havaí, que possui 6 vagas, mesmo sendo apenas um estado norte-americano — embora tenha representação própria no esporte. No feminino, a discrepância é ainda mais gritante.
O formato atual não é justo nem eficiente. E o argumento de que ele democratiza o acesso não se sustenta: o caminho segue caro, longo e restritivo. Em vez de abrir portas, o sistema fecha. Em vez de premiar talento, recompensa quem tem estrutura.
Já que a WSL está disposta a mudar, que tal dar o próximo passo e repensar também o acesso? Um Mundial mais justo também começa pelas divisões de baixo.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL