Corinthians não contabilizou R$ 4,9 milhões em peças da Nike; clube nega

O Corinthians recebeu quase R$ 5 milhões em peças da Nike no CT Joaquim Grava, sem cadastrar notas fiscais no sistema único de controle. A questão foi um dos motivos para o Conselho Deliberativo (CD) reprovar as contas da gestão Augusto Melo em 2024.

Procurado pelo UOL, o Timão afirma que mantém registro de todas as notas manualmente, "consequência de uma readequação no sistema de gestão", mas que "todas as notas e comprovações de pedidos feitos para a empresa estão registradas e sendo publicadas no sistema". Porém, a reportagem teve acesso a documentos que mostram que, até ontem, nenhuma nota fiscal da Nike para o CNPJ do CT havia sido lançada no sistema.

Produtos sem estoque e contabilidade

De abril a dezembro de 2024, o Corinthians recebeu 9.062 mil produtos da marca, totalizando R$ 4.941.075,13, diretamente no centro de treinamento.

As notas fiscais dos produtos não foram lançadas no software responsável por controlar o estoque e fazer a contabilidade do clube. O Protheus, sistema de gestão empresarial (ERP), da TOTVS, é usado há anos no Parque São Jorge.

Segundo documentos obtidos pelo UOL, nenhuma nota fiscal da Nike para o CNPJ do CT havia sido lançada no sistema até ontem. Além disso, também não há notas de outros serviços e gastos vinculados ao centro de treinamento, como manutenção e reembolsos.

A situação colaborou para os pareceres negativos de órgãos fiscalizadores e para a reprovação das contas de 2024. O relatório do Cori (Conselho de Orientação), de 24 de abril, que recomendou a rejeição do balanço financeiro, cita que foram solicitados "documentos comprobatórios da contabilização das notas" da empresa FISIA Comércio de Produtos Esportivos S/A, representante da Nike no Brasil. No entanto, esses documentos não foram apresentados até a votação do Conselho.

Além disso, os valores de cota do Timão superaram em aproximadamente R$ 9 milhões os previstos em contrato. No acordo com a fornecedora, de 2018, estão previstos R$ 4 milhões em peças e produtos (sem reajuste na inflação). Em 2024, o clube recebeu R$ 13,2 mi em uniformes tanto no Parque São Jorge quanto no CT.

Mencionamos que este órgão tomou conhecimento através de denúncias da possibilidade de utilização de uniformes oficiais de forma muito acima da média. Lamentamos que a exposição desses dados tenha sido através de terceiros e não pela administração. Dessa forma, não tivemos segurança sobre a contabilização desses materiais além da possibilidade da geração de contingências ao clube.
Cori, em nota enviada ao UOL

Marcelo Munhoes, ex-chefe de TI do clube, demitido em janeiro, explicou que, sem devido registro, é impossível saber o destino das peças. Ou seja, camisas e uniformes podem ser desviados ou usados para outros fins.

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Independentemente se o uso era para o futebol profissional, institucional, cortesia ou mesmo patrocinadores, eram controladas as informações das quantidades que saíam e para onde estavam indo cada item. Quando foi definido pela transferência do estoque físico e fiscal para o CT, o clube parou de lançar as notas no sistema, e se perderam todas as informações e históricos sobre a utilização dos uniformes.
Marcelo Munhoes, ex-chefe de TI do Corinthians, ao UOL

Alerta de antiga consultoria

Em agosto de 2024, o Corinthians se reuniu com a Ernst & Young para debater questões relacionadas à logística e estocagem de materiais esportivos. O encontro com a representante da empresa de consultoria, que prestava serviços à época, aconteceu no CT.

À época, a EY demonstrou preocupação com a descentralização do estoque, que era todo feito no Parque São Jorge e passou a ser distribuído também no CT. Até o mês de agosto, a instalação do sistema Protheus ainda não havia sido solicitada para o centro de treinamento.

A solução encontrada pelo almoxarifado do CT foi enviar todas as notas fiscais por e-mail ao ex-diretor administrativo, Marcelo Mariano. Como consequência, cerca de R$ 3,5 milhões em notas fiscais da Nike ainda não foram lançadas no sistema até aquele momento. Procurado, Marcelo não quis comentar o caso.

De acordo com o e-mail, a solicitação para que as peças fossem entregues no CT partiu de Caio do Valle, assessor da diretoria, que é citado como "responsável pelo estoque do CT" e alegava atrasos nas entregas da Nike para o departamento de futebol. Caio nega que tenha exercido essa função em qualquer momento.

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Caio, responsável pelo estoque no Centro de Treinamento do Corinthians, relatou que a descentralização do estoque e emissão das NFs em dois CNPJs (PSJ ou CT) foi aprovada no início do ano, adotando um modelo de gerenciamento por departamento. Essa mudança foi motivada pela alta demanda do Futebol Masculino (profissional e base), atrasos nas entregas por parte da Nike e a intenção de não misturar materiais com outras modalidades. A urgência por material, influenciada pelo tempo de entrega e pelas frequentes alterações nas comissões técnicas e no elenco, foi destacada como um fator crítico, assim como a importância de evitar desconforto com o elenco.
Trecho do e-mail da EY ao Corinthians após reunião em 2 de agosto no CT

A EY também pontuou que o não lançamento das notas no sistema expunha o clube a riscos, principalmente fiscais. Isso porque a unificação da contabilidade é necessária para atender à Receita Federal com informações completas.

Isso sem contar a possibilidade de desvios de uniformes. A reportagem também apurou que, em gestões anteriores, peças da Nike eram desviadas após a entrega direta no CT. Por essa razão, toda a estocagem passou a ser feita no Parque São Jorge há alguns anos.

Impactos fiscais relacionados ao não lançamento das NF's estando assim sujeita a Multas e Penalidades pelo não cumprimento das obrigações; Impactos legais pelo não cumprimento dos termos contratuais com a Nike, o que pode ocasionar em processos contra o Corinthians, além de possível quebra contratual.
Trecho do e-mail da EY ao Corinthians

Pouco mais de um mês após essa reunião, Corinthians e EY anunciaram o fim da parceria. Oficialmente, nenhuma das partes se manifestou sobre o motivo do encerramento da consultoria, mas a reportagem apurou que conflitos internos foram responsáveis.

O que diz o Corinthians

O Sport Club Corinthians Paulista informa que o controle de estoque e a distribuição interna de materiais esportivos fornecidos pela Nike estão devidamente contabilizados e no Centro de Treinamento do futebol profissional, todas as notas e comprovações de pedidos feitos para a empresa estão registradas e sendo publicadas no sistema. Anteriormente, esse processo era feito de forma separada para que apenas o futebol tivesse esse controle.

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O Clube reconhece que houve um atraso nos registros devido à realização manual dos processos, consequência de uma readequação no sistema de gestão. Para garantir mais agilidade e precisão nas operações, o Departamento de Tecnologia da Informação do Corinthians está conduzindo a automatização da integração com o sistema de contabilidade interno.

A medida tem como objetivo otimizar os processos internos, reforçando o compromisso do Corinthians com a transparência e a eficiência administrativa.

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