Juca Kfouri

Juca Kfouri

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

A Lei das Sociedades Desportivas de Portugal - e a Lei da SAF (Parte I)

POR RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO

Crise no futebol não é uma característica exclusiva do Brasil. Outros países enfrentaram problemas sistêmicos e encontraram saídas próprias, em função de suas realidades, na maioria dos casos, de natureza legislativa.

Os principais modelos mundiais, especialmente europeus, foram estudados antes da proposição do anteprojeto da Lei da SAF. Nenhum foi copiado; eventualmente, alguma solução sofreu adaptação ao ambiente local. O produto, concebido para situação do país - e de seus clubes -, justifica o sucesso, consubstanciado na quantidade de SAFs existentes.

Apesar disso, e ao mesmo tempo de modo paradoxal, ainda persiste em alguns clubes brasileiros, ou melhor, sobretudo em alguns dirigentes dominantes de certos clubes, a aversão ao novo - mesmo que o novo seja necessário.

O tema de hoje - e de colunas futuras - envolve a análise dos modelos adotados em países relevantes no plano esportivo. Esse exercício talvez ajude a fixar a ideia de que a SAF, no Brasil, não representa uma invenção tropicalista. Mais do que isso: apesar de não consistir em uma solução mágica para problemas conjunturais ou estruturais, consiste numa condição necessária para que times se reorganizem, passem a se submeter a um novo modelo de propriedade, arquitetem suas formas de governação e protagonizem no plano esportivo.

Inicia-se com Portugal. A Lei n. 39/2023, de 4 de agosto, estabelece o regime jurídico das sociedades esportivas e revoga o Decreto n. 10/2013. Nota-se, logo na partida, que o caminho português é diferente do brasileiro. Lá se estabelece o regime jurídico de sociedades que atuam em modalidades de competições esportivas, e não em competições futebolísticas, apenas.

Porém, a reforma de 2023 apresenta soluções que, ao que parece, foram influenciadas pela legislação brasileira. Se não foram, assemelham-se, por acaso.

Entende-se por sociedade desportiva "a pessoa coletiva de direito privado, constituída como sociedade comercial, cujo objeto consista na participação, numa ou mais modalidades, em competições desportivas, na promoção e organização de espetáculos desportivos e no fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva da modalidade ou modalidadesque estas sociedades têm por objeto, sob a forma de sociedade por quotas ou sociedade anónima".

A participação em competições esportivas é reservada às sociedades desportivas. Se a sociedade desportiva tiver por objeto a pluralidade de modalidades, o clube que a constituir pode ser titular de apenas uma; mas poderá participar de outras sociedades esportivas, desde que cada uma tenha por objeto uma única modalidade ou, tratando-se da mesma, se se diferenciarem por gênero.

Continua após a publicidade

A sociedade desportiva pode ser constituída: "a) de raiz; b) por transformação de um clube esportivo; c) pela personalização jurídica de uma equipa de um clube desportivo que participe ou pretenda participar em competições esportivas".

A lei proíbe a fusão entre sociedades esportivas, exceto se também houver fusão entre os clubes (ou times).

Em decorrência da constituição da sociedade esportiva, devem ser transferidos para ela (i) os direitos de participação no quadro competitivo em que estava inserido o clube desportivo fundador, (ii) os contratos de trabalho desportivos e (iii) os contratos de formação desportiva relativos a praticantes da modalidade ou modalidades que constituem objeto da sociedade constituída.

Paralelamente, o clube e a sociedade esportiva devem regular a utilização (i) das instalações, (ii) da propriedade industrial e (iii) de outros sinais distintivos de comércio.

No âmbito da constituição, o clube fundador deve estabelecer por escrito inventário de direitos e obrigações transferidos, que será avaliado por revisor de contas. Passivos transferidos devem ser acompanhados da transferência de ativos de valor, ao menos, equivalente aos passivos.

Após a constituição, a sociedade desportiva representará ou sucederá o clube desportivo que lhe deu origem nas relações com a federação desportiva de sua modalidade de prática.

Continua após a publicidade

A denominação das sociedades esportivas deverá conter a modalidade que praticará, se for apenas uma, e a abreviatura indicativa do tipo societário adotado: SAD; SDQ, Lda.; ou SDUQ, Lda. (conforme seja uma sociedade anônima, sociedade anônima unipessoal, sociedade por quotas ou sociedade unipessoal por quotas).

A lei estabelece, ademais, capitais mínimos, no momento da constituição: 250 mil Euros, para sociedades que participem da 1ª Liga e 50 mil Euros, para as participantes da 2ª Liga. A sociedade que ascender de Liga deverá ajustar o capital, previamente ao seu ingresso. Para sociedades que participem de outras competições, o capital social mínimo também será de 50 mil Euros.

O artigo 11 trata da participação do clube fundador na sociedade esportiva. Se a constituição decorrer de transformação ou for de raiz, o percentual será de 5% e as quotas ou ações do clube conferirão direitos especiais. Mencionado artigo ainda trata da possibilidade (i) de o estatuto da sociedade desportiva sujeitar deliberações assembleares à autorização do clube fundador e (ii) de o clube fundador constituir uma sociedade gestora de participações.

A lei estabelece que as ações de emissão das sociedades anônimas desportivas são de duas categorias: A e B. Categoria A se destina apenas ao clube fundador, na hipótese de constituição derivada da "personalização jurídica de uma equipa de um clube desportivo que participe ou pretenda participar em competições desportivas". Na hipótese de constituição de sociedade por quotas, uma quota com direitos especiais deverá pertencer ao clube fundador.

A pessoa que detiver participação qualificada numa sociedade desportiva não poderá ter participação qualificada em outra sociedade que participe em competições nacionais relacionadas à mesma modalidade. O conceito de participação qualificada é definido no Código dos Valores Mobiliários. Ademais, uma sociedade desportiva não pode participar do capital de outra sociedade desportiva.

No próximo texto da série serão apresentados aspectos relacionados à governação, deveres e funcionamento da sociedade anônima desportiva em Portugal.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.

OSZAR »