Copa do Mundo sai do roteiro ao colocar o colonialismo em pauta

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A Fifa não quer falar de política. Saiam para lá com isso, diz a federação querendo fingir que é imparcial. Manifestações pró-Palestina nem pensar. Nem da torcida, nem de jogadores. Mas de imparcial a Fifa não tem nada. Está alinhadíssima ao interesse do capital privado, e o seu presidente, o italiano Gianni Infantino, nem faz questão de esconder a simpatia que tem pelo extremista Donald Trump. A ideia era que a Copa do Mundo de Clubes fosse capaz de sublimar os atuais conflitos mundiais. Esqueçam crianças morrendo de fome ou de bombas, esqueçam imigrantes sendo presos ilegalmente, esqueçam guerras sendo iniciadas criminosamente. Vamos jogar bola.
Só que o futebol se impõe e, sem que percebamos, pauta o que precisa ser pautado. Eis que de repente estamos falando sobre colonialismo. Tudo porque os times brasileiros venceram equipes europeias e despertaram um sentimento que muitos nem sabiam que possuíam. Aquele certo orgulho da nossa cultura, o desejo de mostrar quem somos na dimensão da arte, a vontade de superar times considerados mais fortes.
Filipe Luis tentou ser racional e disse que há dez times na Europa que são superiores a todos os demais. Mas que, na outra prateleira, estamos em pé de igualdade. Uma colocação lógica, mas frágil porque não explica os motivos.
Falemos deles então. Para isso temos que entrar no colonialismo. O que é isso?
Como fenômeno histórico, foi a invasão de territórios não europeus por países europeus que teve início no século 15. Por essa época, civilizações americanas, africanas e asiáticas foram saqueadas, exterminadas e silenciadas pelos invasores. Mas não apenas isso: formas de vida e de conhecimento foram também assassinados. Foi o colonialismo, por exemplo, que criou a ideia do "negro" como raça e como raça inferior. Tudo o que era diferente do padrão europeu passou a ser inferiorizado. Entram aqui a ideia de família, de Deus, de sexualidade e de gênero. Os padrões europeus foram tomados como universais e os demais inseridos em dinâmicas de sujeição.
Nada escapou ao colonialismo e seus métodos e tecnologias seguem organizando o mundo em que vivemos. Portanto, seria correto afirmar que ele não morreu. O colonialismo não existe mais como sistema administrativo, mas existe em suas práticas.
E o futebol?
O futebol está inserido nesse contexto. Quando, a partir do século 15, países europeus começam a saquear as riquezas dos continentes invadidos, principalmente através da escravização de pessoas, a Europa inicia seu enriquecimento e desenvolvimento, enquanto os territórios saqueados afundam em pobreza e miséria. "Não haveria Manchester sem Mississipi" é uma frase famosa que explica de forma simples que sem a exploração das pessoas escravizadas nas plantations não existiria progresso em Manchester. A partir do século 19, os Estados Unidos, até ali explorado, passaria a adotar práticas imperiais e coloniais para se relacionar com o resto do mundo. É o que vemos até hoje quando Trump decide, do alto de sua arrogância bélica, bombardear o Irã e colocar os pés numa guerra que é, antes de mais nada, colonial.
Países na África e na América Latina vivem essa exploração até hoje. A França ainda tem colônias. A invasão da Palestina carrega tecnologias coloniais. Algumas das regras ainda valem e a guerra declarada à imigração, que existe por causa das práticas coloniais, é, portanto, indecente. Essa Europa que badalamos e cujo futebol colocamos "em outro patamar", como diz o jargão, só existe porque ela nos explorou e ainda explora, fazendo associações economicamente violentas com nossas oligarquias, cooptando governos, disseminando a viralatice entre a população dominada.
É nessa circunstância que o encontro entre times sul-americanos e times europeus está sendo sentido por muita gente. É um encontro entre colonizador e colonizado. Um encontro entre explorador e explorado que revela os aspectos coloniais do futebol. A Fifa certamente não quer que essa narrativa ganhe força. Mas o futebol vai passando. Ele é maior do que a Fifa, do que a Europa, do que as tecnologias coloniais. Hora de colocar em circulação esse conhecimento. Quem quiser saber mais pode começar lendo Aimé Césaire e seu "Discurso Sobre o Colonialismo" ou Frantz Fanon em "Os Condenados da Terra".
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